O Cabo já foi Capital Nacional da Cultura
Frederico Menezes*
Em 24.11.2020
Parece ser “fake news” ou exagero de quem escreveu o artigo tal afirmativa. Os que são mais recentes no município e até alguns mais antigos dos seus moradores podem já ter empurrado para os porões da memória este fato. Sim, nossa cidade já teve imenso destaque em todo o país em função da grande efervescência cultural que viveu na década de 1980. Essa pulsação cultural deu colossal contribuição para que o município superasse o apelido de Cidade da Morte, face ao alto índice de violência, e passasse a ser vista como a cidade em que algo diferente ocorria por suas ladeiras e casarões seculares no campo das artes, dos debates culturais e do turismo. Sim, para quem ainda não sabe, o Cabo de Santo Agostinho (PE) foi escolhido por especialistas do setor como o município turístico do ano em Pernambuco.
Se alguém está perplexo ao ler este artigo, reforçarei o que digo especificando o que levou nossa cidade a ter tanta projeção naquela década já um tanto distante. A cidade promoveu o Primeiro Congresso Norte-Nordeste de Teatro e a Primeira Mostra de Arte no mesmo período. Grupos de destaque do teatro não só da região, mas de todo o Brasil, levaram ao deslumbramento os moradores e visitantes, fazendo com que os olhos da imprensa nacional se voltassem para o município.
Nas terras de Pinzón foi também realizado o Encontro Nacional da Confederação do Teatro.
Cabo – capital do teatro brasileiro.
Manchete do Diario de Pernambuco
O Cabo realizou o seu Primeiro Festival Nacional de Arte, auge de um movimento que impulsionou o nome da cidade por todas as regiões do país. Grupos de dança de todo o Brasil; expositores de artes plásticas de quase todos os Estados; o artesanato brasileiro; oficinas diversas de vários setores culturais; debates com extraordinários palestrantes; música de variada expressão por vários recantos da cidade; espetáculos de dança de grupos do Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza, em praça pública. Naquela ocasião, toda a cúpula do Ministério da Cultura do Brasil veio ao Cabo assistir o que ocorria na cidade, pois o país já não conseguia ficar indiferente à vibração cultural que impressionava até os mais descrentes. Para que se tenha ideia do que escrevo, confira a manchete do tradicional e secular Diario de Pernambuco: Cabo – capital do teatro brasileiro.
O município realizou um festival em homenagem ao grande sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, autor da obra-prima Casa Grande e Senzala.
A praia de Gaibu, até então joia do litoral cabense, de beleza reconhecida, viu nascer em suas areias finas e junto às ruínas de palcos marcantes da sua história o Festival de Verão. Milhares de visitantes aportavam na praia para assistir desde o grupo Barão Vermelho, à época considerado o melhor grupo de rock do país, Até a magnifica Orquestra Sinfônica de Recife, passando por grandes nomes da música regional.
Um dos maiores sucessos teatrais do Nordeste, a peça “Um sábado em 30”, montada pelo Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), se apresentou em nossa cidade, causando imensa admiração na cena regional, pois o grupo teatral pouco saía de sua própria casa de espetáculos em Recife.
Numa articulação impressionante junto à Fundarpe, fundação Roberto Marinho e grupo Votorantim, foi possível restaurar a igreja de Santo Amaro, carregada de história, onde, inclusive, se reunia grupo que trabalhava pela libertação dos escravos na cidade e no estado antes da promulgação da Lei Àurea pela princesa Isabel. Foram encontrados documentos que comprovam o movimento abolicionista no Cabo e que se reunia na igreja.
Esses são só alguns aspectos que levaram a terra de Pinzón ao destaque nacional. Até mesmo o programa Jô Soares Onze e Meia, na época apresentado pelo SBT, se rendeu à força do que ocorria no Cabo, pois levou o pesquisador Luiz Alves Lacerda para ser entrevistado a respeito do controverso tema: o Brasil teria sido descoberto no Cabo de Santo Agostinho pelo navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón, antes de Cabral chegar em Porto Seguro, na Bahia.
Na construção de uma cidade moderna e com qualidade de vida, a cultura e as artes são imprescindíveis.
Não foram as artes as únicas beneficiadas naquele momento mágico e dinâmico vivido pela cidade. Pela primeira vez, Porto de Galinhas deixou de ser a principal notícia turística do estado. O Cabo conquistara a instalação do seu primeiro hotel cinco estrelas, o Blue Tree Park, hoje o hotel Villa Galé, instalado na praia de Suape. O município também sediou, pela primeira vez, a reunião da Associação dos Municípios Turísticos de Pernambuco (Astur). E a cidade ganhou rica folheteria promocional de suas belezas naturais e da sua história, confeccionada por competente agência de publicidade e com lançamento impactante para jornalistas e empresas de agências de viagem. Sucesso estrondoso, com artigos em vários jornais noticiando o fato. Também pela primeira vez o Cabo recebia o presidente da Empresa Pernambucana de Turismo (Empetur), para discutir ações que contemplassem a cidade. Não deu outra: nosso Cabo de Santo Agostinho foi escolhido por jornalistas especializados como o município do ano na área do turismo, superando grandes destinos turísticos badalados nacional e intencionalmente, como Recife, Olinda e Porto de Galinhas.
Tudo isto foi uma luminosa realidade nesta terra de tanta história, talento e pujança econômica. Precisamos acreditar que podemos retomar esse dinamismo, esse destaque. A efervescência cultural está adormecida, apenas adormecida. Não está morta. Os mesmos elementos que catapultaram um dia a “terra que Pinzón pisou” permanecem guardados nas páginas da história ou numa dobra do tempo, esperando, ansiosos, serem libertados, para novamente fazer sorrir de orgulho a gente cabense. As memórias recordam o passado, mas também preparam o futuro. Na construção de uma cidade moderna e com qualidade de vida, a cultura e as artes são imprescindíveis. Não basta ter dinheiro. É preciso ter alma para ter vida.
*Frederico Menezes é escritor e membro da Academia Cabense de Letras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Fotos: Em destaque a praia de Gaibu – Internet
De fato essa memória nos mostra o quanto há pra ser recuperado
Que lembrança boa, nos trouxe este texto de Frederico Menezes, esses momentos vividos por muito nós, realmente a efervescência cultural desta época, não tem parecenças nenhuma com tempo atual da cultura no nosso Município.
Silvia, sem dúvida que foi um.periodo sem comparação mas acredito que tudo pode ser resgatado , embora o contexto seja diferente. Abração.
Momento ímpar da nossa cidade, onde pudemos assistir a belos e magníficos espetáculos. Parabéns aos que se engajaram para a realização dos eventos naquela época, especialmente ao nosso saudoso tuninho que participou brilhantemente, tbm como ator. Orgulho de ter vivenciado e desfrutado desse importante e magestoso momento.
Parabéns Fred por nos fazer rememorar !
Um forte abraço!
Feliz por trazer à memória da nossa gente o que foi experimentado. Abração
Ivanildo Dias
É bom relembrar esses fatos, principalmente para o conhecimento dos mais jovens.