Aprendendo com o processo eleitoral brasileiro (parte II)

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 26.11.2020

Como havia dito no artigo anterior, vivemos num ciclo eleitoral contínuo que além de praticamente paralisar o país a cada dois anos, consome muitos recursos. As eleições deste ano, por exemplo, estão estimadas pelo TSE em R$ 1,28 bilhão, sem falar no fundo eleitoral deste ano orçado em R$ 2 bilhões que foi distribuído proporcionalmente aos partidos em função de suas bancadas e votação nos últimos pleitos. O país possui hoje 33 partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mais dez estão em processo de formação.

Partindo do princípio que um partido representa um conjunto de ideias e propostas de um segmento da sociedade, haveria de se perguntar se, no Brasil, temos de fato tantas ideias e propostas distintas que justifiquem a existência desta quantidade de partidos. Não que eu seja contra a criação de partidos, mas temos visto agremiações nanicas, sem expressão alguma na sociedade e outras que servem como siglas de aluguel, além daquelas que se comportam de acordo com a direção do vento, ou seja, suas ideias e propostas dependem de quem ocupa o executivo.

Diante deste e de outros aspectos da república brasileira notamos uma população que em geral nutre profundo desprezo pela política. Ora, como convencer estas pessoas de que a Política (com P maiúsculo) está por toda parte? Que a Política define nossas vidas? Que a Política (partidária) é apenas um dos aspectos da Política maior que governa a realidade? E ainda, como convencer as pessoas de que o que se passa na câmara dos vereadores de sua cidade é tão importante quanto o que se passa no parlamento, em Brasília? Ou ainda, como convencer as pessoas sobre a importância do voto? Aliás, esta ideia de que o voto é obrigatório não é verdade. O comparecimento no dia da eleição é obrigatório, mas, o voto não. Por isso que existem as opções de voto branco e nulo.

Os mandatos se sucedem de pai para filhos, primos, enteados, esposas, etc, transformando a política pública em privada (contém trocadilho irônico).

Nossa democracia é de caráter representativo. Isto implica dizer que deve-se votar ou não naquele(a) candidato(a) que representa melhor as minhas ideias ou do coletivo que pertenço. Daí decorre outro problema na consciência do voto, que é a questão da classe social. Especialmente nas pequenas cidades, é espantoso o grau de apego que se tem por famílias tradicionais e ricas da região que a cidade faz parte. Os mandatos se sucedem de pai para filhos, primos, enteados, esposas, etc, transformando a política pública em privada (contém trocadilho irônico).

Por fim, outro aspecto nefasto da política brasileira refere-se a algo que sempre existiu, mas que se tornou “moda” a partir das eleições de 2018: o discurso moral/religioso que se sobrepõe ao discurso social. Há uma tentativa, até certo ponto exitosa atualmente, de julgar a capacidade e o caráter de um(a) candidato(a) em função da fé que ele(a) professa ou não. Neste sentido, um candidato tem que ser hétero, cristão ou no máximo, judeu. Do contrário, arderá no fogo do inferno do ostracismo eleitoral. Como diria Lulu Santos “assim caminha a humanidade com passos de formiga e sem vontade”.

*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e membro da Academia Cabense de Letras – ACL. Escreve às quintas-feiras.

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Foto destaque: jus.com.br