Aqueles olhos cansados
Jénerson Alves*
Em 04.12.2020
Calça justa, blusa fina, de botões. O primeiro botão aberto mostrava a curva dos seus seios, escondidos por um sutiã vermelho. Por onde passava, atraía olhares masculinos (e femininos). Ela era acostumada a isso. Sentia prazer na sensação de ser ‘secada’ pelos homens. Achava engraçada a forma como os namorados das amigas tentavam disfarçar o fascínio que sentiam por ela. Era ‘comida’ com os olhos por todos. Ouvia “eu te amo” de vários caras todos os dias. Mas sabia que esse ‘amor’ se reduzia a jantar, motel e ‘tchau’.
Até conhecer ele. Não que ele fosse feio, mas também não era bonito. Não que ele fosse burro, mas que tinha um papozinho meio… bobo. Não que ele fosse chato, mas também não era legal. Só que ele tinha algo… uma coisa assim, sabe? Meio que… sei não!
Já sei! O olhar. Isso mesmo. Era o olhar dele. O olhar! Não eram os olhos. Era o jeito que ele olhava. Um olhar meio triste, meio vazio, meio cansado, meio perdido. Uns olhos que pareciam mais velhos que o resto do corpo. Uns olhos que pareciam chateados de estar abertos, que queriam se fechar, que queriam dormir.
Mas quando esses olhos paravam nos olhos dela, ela sentia um arrepio. Um arrepio, não. Uma coisa! Deixa eu ver se explico. É que parece que ele conseguia olhar dentro dela. Ele não ficava babando, olhando os dois mamões que pulavam da blusa dela. Ele não ‘comia’ ela com os olhos. Ele não mandava mensagens pornôs pelo WhatsApp… mesmo em silêncio, ele tocava na alma dela.
Parece que ele sabia o quanto ela chorava sozinha à noite. Parece que ele enxergava as agruras e os ferimentos que havia no espírito dela. Parece que ele sentia a mesma dor que ela, quando alguém falava coisas feias sobre ela. Parece que ele conseguia abraçá-la com a mente.
Por isso, foi ela quem o chamou para sair, naquela noite. Ela mesma escolheu o restaurante, a mesa, a tequila. Pensava se seria ela quem teria de escolher o motel, mais tarde. Afinal de contas, não se pode perder uma noite de sábado…
Nesse momento, do nada, ele disse para ela: “Eu oro por você, sabia?”. Ela não acreditava nesse negócio de Deus. Achava que se Ele existisse, a vida dela não seria tão vazia. Mesmo assim, perguntou: “O que você pede a Ele por mim?” Ele respondeu: “Nada. Apenas declaro que você é dEle. E desejo que o amor dEle transborde em você”.
Ela ficou com isso na cabeça. Talvez a vida seja mais do que um emaranhado de fatos desconexos, do que um monte de erros que não saem do nada para o lugar algum. Talvez a vida não seja o que nós recebemos, mas aquilo que fazemos dela. Aí se jogou nos braços dele. E não quis largá-lo mais. Entendeu que o Eterno é tão grande que só cabe no espaço de um amor sincero.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: Public Domain Pictures/Pixabay