JOVENS AUTORES – Solitário, em casa festejei

Por

Matheus Henrique Soares N. da Silva*

Em 11.12.2020

A mente de Marcos divagava enquanto seu corpo se mantinha deitado, encarando o teto branco. Lírica era a melodia de seus pensamentos enquanto ele se preparava psicologicamente para o dia que tinha pela frente. Marcos normalmente ansiava por esse momento todos os anos, contando as semanas finais mentalmente, mas o tempo lhe havia escapado nos últimos meses.

Era um dia quente. Marcos não vinha dormindo bem há alguns pares de noites e, por mais que tentasse, não conseguia se focar em nada para fazer desde o fim do período suplementar de sua faculdade. Era como estar preso a uma única melodia que enevoava todos os pensamentos sãos e sua percepção do mundo. Era como se sua mente e todas as suas ideias fossem uma incrível tempestade, mas ele se mantinha protegido em uma maré de calmaria. Ninguém acreditava nele quando ele dizia que havia perdido o compasso da noite para o dia, até porque não havia uma razão para aquilo. Marcos apenas havia acordado um dia e ele estava perdido, sem mapa ou bússola para levar ele de volta para onde ele queria estar, e, se ele fosse honesto consigo mesmo, ele estava começando a se acostumar a estar perdido.

A rotina não o ajudava a se encontrar de alguma maneira. Marcos continuava tentando criar planos para buscar se aprofundar em seus hobbies favoritos ou desenvolver novos gostos, mesmo que ainda fosse julgado e cobrado pelos mesmos de diferentes lados, fosse por sua família ou sua própria mente. Marcos havia tentado reduzir seus surtos e metas a listas e lembretes em papéis coloridos, mas ainda parecia difícil voltar a ter gosto pelo que estava fazendo.

Fazia 254 dias desde que tudo começou. Era o 336º dia do ano do calendário gregoriano. Faltavam 29 dias para o fim de mais um ciclo solar. 29 dias para assistir pessoas pulando ondas e reformulando ideais de vida. 29 dias para criação de mais promessas que provavelmente serão quebradas. Marcos não era um grande fã das viradas de ano, pois nunca soube o que prometer ou mudar em si e nas suas metas. Marcos foi uma criança medrosa e um adolescente temeroso com grandes problemas com se comprometer a coisas, fossem pessoas ou ideais. Talvez fosse por isso que ele evitava pensar em novas promessas e em sair de sua zona de conforto intelectual e emocional, num falso senso de auto preservação digno de personagens fictícios.

Marcos havia mudado com a quarentena. Havia se tornado mais irritadiço com barulho e com repetições, beirando a intolerância com as cobranças que eram impostas sobre ele fantasiadas de cuidado. Era essa a razão pela qual evitava comprometimentos. Marcos era um espírito livre, havia nascido dessa maneira e se criado assim, como um balão sempre subindo até o ponto que não aguentasse mais e estourasse. A pandemia era como uma barreira invisível lhe impedindo de voar, tentando o prender a um chão e uma terra imaginária que ele temia.

Marcos ama os dois de dezembro. Em retrospectiva, nenhum deles havia tido nenhum momento ruim. Ele adorava os presentes, a energia contagiante de todos, a estação em que havia nascido e, se fosse sincero com todos, uma pequena parte de si gostava de ser o centro das atenções pelo curto período de 24 horas. Marcos crescera como uma criança que amava ficar ao fundo da sala e das fotos, observante a tudo e todos que passavam por si, mas nunca muito confortável em se colocar em foco de atenção. Sua evolução de personagem para uma figura robusta e comunicativa chocara tanto a si quanto seus familiares, mesmo que houvesse dias em que o agora adulto segundo a maioridade de todos os países reconhecidos pela ONU não falasse quase nada.

Sua data de aniversário não marcava grandes eventos ou terríveis tragédias como os vinte quatros de junho ou onzes de setembro, mas, em 1894, a vacina da difteria havia sido descoberta, naquele mesmo dia. Para Marcos, era irônico pensar como uma vacina era tudo que ele desejava naquele momento, exatos 126 anos no futuro. “O mundo não podia parar”, era verdade. “A vida deve continuar”, também era verdade. Mas o cuidado havia fugido das mãos dos homens, muito preocupados em aproveitar um mero filete de liberdade para prevenir a segunda onda crescente de casos notificados. Dois de dezembro de 1894 e dois de dezembro de 2020, duas datas completamente distintas, mas compartilhando de um mesmo sentimento que ecoa o mundo pela tão esperada arma contra o que os vêm ameaçando há tempos.

Um dia quente; um par de noite mal dormidas; um ciclo de desinteresse novo; uma ligação especial com o grupo de amigos que não via há mais de 250 dias; um fim de inferno astral como nenhum outro; um encontro para compras há muito prometido que teria de ser postergado por imprevistos. A lista de eventos prévios e promessas para aquele dia era longa e crescente, pondo um ponto final nos pensamentos caóticos da mente do jovem adulto. Marcos, por fim, decidiu se levantar na manhã de seu vigésimo primeiro aniversário otimista. Seu cabelo já estava por precisar de um novo corte e sua pele não havia acordado de tão bom-humor quanto ele, entrando em ebulição qual força de um vulcão e de sua mente, que ainda borbulhava com ideias e sonhos. A paz ainda não povoava o mundo com encontros e desencontros retumbando pelas ruas e alçar um longo voo de liberdade ainda estava fora de questão, mas o dia parecia bom.

*Matheus Henrique Soares N. da Silva tem 20 anos e é estudante do sexto período do curso de Medicina da Universidade de Pernambuco – UPE.

Foto destaque: Internet

NOTA DO EDITOR

Com esta crônica assinada por Matheus Henrique Soares N. da Silva, de apenas 20 anos de idade, o blog Falou e Disse dá sequência à coluna JOVENS AUTORES. O espaço é destinado a estimular e encorajar adolescentes e jovens a compartilharem as suas ideias e os seus pontos de vista de maneira mais ampla, buscando publicar crônicas e artigos sobre os mais variados temas.

A crônica Solitário, em casa festejei foi editada respeitando-se a íntegra do texto recebido.