Vacina não tem pátria

Por

Ayrton Maciel*

Em 13.12.2020

Atrasado, como o previsto. Consequência da má vontade do presidente Jair Bolsonaro e do seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, aquele que conformada e  submissamente afirma que “ele manda e eu obedeço”. Quer dizer, se Bolsonaro mandar disparar os fuzis sobre uma marcha de opositores, o general é capaz de cumprir a ordem sem sequer alertar: “são seres humanos, presidente!”. Atrasado, mas, antes tarde do que jamais, o ministério cumpriu decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) – incrível, ressaltar o respeito à legalidade – e entregou à Corte o Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19.
Algo de bom, mas que teria sido melhor se viesse sem contestação técnica, problema também previsível neste governo. Atrasado, incompleto, sem a revisão final dos técnicos e – pasme-se! – com assinaturas falseadas de alguns dos colaboradores. O “plano”, ademais – o que foi incluído sem autorização do corpo colaborador -, deixa facultativa a aplicação das vacinas, exatamente no momento em que a pandemia multiplica-se em segunda onda. Onde estamos? “Que país é este?”, repetiria Francelino Pereira (1975, piauiense, então deputado por MG), se vivo fosse. Somos uma republiqueta autocrática? Um acaso a se perguntar.
O Brasil dá sucessivos passos para trás, nas áreas humanas em particular, e tem a ciência como alvo a desacreditar e negar, substituindo-a pelo fanatismo teológico. Não por acaso, preocupante percentual da população afirma que “não pretende tomar vacina” ou opta por uma vacina segundo a sua origem. Sob movimento de descrédito, a russa e a chinesa estão como últimas opções, quando os ingleses já estudam combinar a de Oxford com a Sputnik V para fortalecer a imunização. Bolsonaro seleciona as vacinas por ideologia, quer – como déspota – dizer quais serão aplicadas e quantos serão vacinados. E o seu general obedece subserviente, desprezando a ciência.
Enquanto o governo brasileiro amesquinha a solução para a pandemia do novo coronavírus, uma perda humana se dá a cada segundo no País.
Vacina não tem pátria. Que venham todas as vacinas eficazes e seguras. A humanidade precisa de todas elas. A fronteira de uma vacina é a Terra. Vacina não tem ideologia, a ideologia de uma vacina é o ser humano. Enquanto o governo brasileiro amesquinha a solução para a pandemia do novo coronavírus, uma perda humana se dá a cada segundo no País. E cada perda é uma derrota para a humanidade e uma vitória do vírus, que conta com um exército de negacionistas para fortalecê-lo. Porém, perda humana é zero à esquerda para Bolsonaro e sua insensibilidade fundamentalista.
Militar, apesar de “quase” expulso do Exército por indisciplina e atos de terrorismo, Bolsonaro se respalda – e por isso, abusa – nos comandantes das três Forças (generais, almirantes e brigadeiros). Uma conduta de subserviência – que é a disciplina irracional – justificada apenas pela formação político-ideológica extremada, que foi superada pelos Exércitos profissionais no mundo, depois da queda do Muro de Berlim (1989). A dicotomia capitalismo versus comunismo e sua “guerra fria” parece ser a base única de preparação nas academias militares brasileiras, o que põe em dúvida o repúdio pouco claro a ideologias como o fascismo e suas deformações. É o caso de se perguntar em meio à pandemia: “Os brasileiros estão em primeiro lugar?”.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos.
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