Brasil Sem Pobreza

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 14.12.2020

Segundo o UNICEF  4,4 milhões de crianças vivem em condições de extrema pobreza no Brasil.

Em meio à pandemia, com tantas mortes e inglórias atitudes – atabalhoadas e irresponsáveis – por parte do governo federal, surgem ações que nos indicam quais os caminhos devem ser trilhados ou retomados para não só enfrentar o novo coronavírus, mas buscar a construção de um mundo melhor, num formato que nos libere das tristezas e angústias cotidianas.

Surge nesse momento um movimento intitulado “Pacto Brasil Sem Pobreza”, formado por um “pequeno grupo de pessoas com longa trajetória em desenvolvimento social com ênfase em direitos da criança, educação, saúde, pequena produção familiar agrícola, povos originários e outros”, conforme se reconhecem e se apresentam em documento publicado nas redes sociais.

O que move o grupo é a vontade de construir um Brasil sem pobreza, utilizando estratégias e táticas de comunicação e mobilização social. Os participantes se identificam como estimuladores de um amplo pacto democrático e suprapartidário que se propõe a agregar forças da sociedade civil e do Estado.

O Pacto Brasil Sem Pobreza, por ser uma ação que surge de pessoas da sociedade civil engajadas em políticas sociais, guarda uma relação de intimidade com o Programa Ação para a Cidadania, criado em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o nosso querido Betinho, quando, junto com outras personalidades, proclamou a  “Carta de Ação da Cidadania“, que deu oficialmente origem ao movimento de Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida….” sua determinação e vontade de transformar a realidade brasileira, marcada pela escandalosa desigualdade social, engajaram milhões de voluntários pelo país. As edições da campanha do Natal Sem Fome já impactaram a vida de mais de 20 MILHÕES DE PESSOAS no Brasil. (Ação para a Cidadania)

A pobreza no Brasil tem sido objeto de muitas pesquisas e estudos que resultam em teses de mestrado, doutorado, programas governamentais. Tem sido contada em verso e prosa, e até letra de samba. No entanto, o que se observa durante décadas é o crescimento do número de famílias que cada dia sofrem mais com o aprofundamento das péssimas condições de vida a que são submetidas.

Segundo o UNICEF  4,4 milhões de crianças vivem em condições de extrema pobreza no Brasil.

Ser pobre não é apenas não ter o que comer. A falta da alimentação no dia a dia é a última consequência do estado de pobreza em que  sobrevive grande parte da população. Pobreza é consequência do alto grau de injustiça e desigualdade social. Está sempre acompanhada da falta de moradia digna, saneamento, da falta de creches, de escolas sem estrutura para aprendizagem e com pouca permanência do aluno, do desemprego, da má assistência à saúde e sobretudo da discriminação. Os mais pobres geralmente são negros e pardos, mulheres chefes de família e seus filhos. Segundo o UNICEF  4,4 milhões de crianças vivem em condições de extrema pobreza no Brasil.

Vivemos num país em que os dados falam por si. Faltam  políticas públicas eficientes. 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que quando a recessão causada pela covid-19 atingiu a economia, a partir de março, o mercado de trabalho já estava fragilizado, sendo que, 51.742 milhões de brasileiros, ou 24,7% da população, viviam em situação abaixo da linha de pobreza definida pelo Banco Mundial para países de renda média-alta. Esse contingente sobrevive com renda mensal de, no máximo, R$ 436 por pessoa do domicílio.

Os considerados extremamente pobres e que fazem parte desse grupo, com renda mensal de até R$ 151 por pessoa no domicílio – eram 13,689 milhões em 2019, ou seja, 6,5% da população, vivendo com menos de US$ 1,90 por dia, em extrema pobreza, R$ 151 por mês, segundo a cotação e a metodologia utilizadas na pesquisa.

O número indica um aumento de dois pontos percentuais na comparação com 2014, quando a série atingiu seu menor indicador, de 4,5%, sendo que o índice passou a crescer em 2015.

A pobreza tem várias causas que se manifestam de formas diferentes e em momentos distintos.

Josué de Castro, médico e cientista pernambucano, identificou as causas fundamentais da pobreza há mais de 80 anos, estudando as condições de vida dos trabalhadores em Recife-PE, tendo publicado diversas obras, entre as quais Geografia da Fome e Geopolítica da Fome. Seus estudos se iniciaram com pesquisa desenvolvida em três bairros operários: Santo Amaro, Encruzilhada e Torre. Seu foco de trabalho era o estudo sobre a fome e sua abrangência, chegando à conclusão que fome e pobreza caminhavam juntas, pois o trabalhador habitava mal e se alimentava pior ainda, quer do ponto de vista quantitativo, quer do qualitativo: “salientou que a maioria dos trabalhadores vivia com fome e morria de fome, dado o salário por eles recebido ser insuficiente para selecionar os alimentos de acordo com as calorias que forneciam e na quantidade que necessitavam”.

“Numa época em que se atribuía o atraso e a pobreza às origens climáticas e étnicas, ele afirmava serem tais estigmas causados por razões sociais, estruturas impostas à sociedade. O ensaio seria publicado em 1936, no livro Alimentação e raça, no qual foi incluído um apêndice a respeito de inquérito sobre as condições do trabalho agrícola no Brasil, demonstrando a preocupação com os habitantes do campo, ampliando desse modo a gama de suas preocupações, passando do Recife para o Brasil”. (Manoel Correia de Andrade, in Josué de Castro, o homem, o cientista e seu tempo).

Para se construir um Brasil sem Pobreza nos tempos de agora, primeiro é necessário que a sociedade reconheça que a pobreza não é desígnio de Deus e que é possível eliminar a sua forma mais cruel, a extrema pobreza. Segundo é, urgente  que o Estado Brasileiro assuma suas responsabilidades na definição e execução de políticas sociais básicas.Terceiro, é fundamental que o país se reconheça como uma sociedade solidária.

Manter os ciclos da pobreza em suas diversas formas não pode ser normal para o ser humano. Nosso país é o nono mais rico do mundo e o segundo maior produtor de alimentos do planeta.

O Pacto  nos conclama à adesão ao movimento de tão importante envergadura através do seu manifesto…”No Brasil, sempre há quem diga que é normal ter gente vivendo na pobreza absoluta, sem comida, sem água tratada em casa, ou até mesmo sem casa, morando na rua, com esgoto a céu aberto, com atendimento à saúde precário, com crianças em salas de aula superlotadas onde aprendem muito pouco, sem internet de qualidade, com um transporte público caro e humilhante e, todos os anos, com um número absurdo de assassinatos, sobretudo de negros. Isso, sem falar nos presídios superlotados, na corrupção generalizada, nos rios poluídos, nas matas devastadas, no racismo, feminicídio, homofobia e em todo o agrotóxico que envenena nossa alimentação. Precisamos alavancar no país uma responsabilidade ética, institucional e transformadora, a ser assumida por todos: Estado, sociedade e setor privado. É hora de deixar de lado o que nos separa e de valorizar o que nos une. Nenhum problema poderá ser bem resolvido enquanto a pobreza absoluta persistir. Com ela, não há desenvolvimento que se sustente. Acabar com a pobreza deve ser a prioridade dos orçamentos e das políticas de educação, saúde, assistência social, segurança alimentar, urbanização; das empresas; dos movimentos sociais; dos bancos; das universidades; das políticas tributárias; da política agrícola, da fundiária, da ambiental. Dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Da democracia como um todo”. (Manifesto Brasil SEM Pobreza)

Tomemos as nossas atitudes, individualmente e coletivamente.

Salve o Pacto Brasil Sem Pobreza!

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.