A alteridade como impedimento à ditadura do igual
Nelino Azevedo de Mendonça*
Em 16.12.2020
Vivemos em uma sociedade que ameaça constantemente a realização da alteridade. A lógica imposta nessa sociedade, na qual predomina a transparência, é a aniquilação do outro para fazer valer a política da generalização. A sociedade da transparência desnuda o ser humano de suas humanidades, coisificando-o e tem o seu ápice na violência do nivelamento do outro, como forma de igualização generalizada e, portanto, eliminação do diferente. Nessa sociedade da transparência ocorrem processos eficientes de hipercomunicação, hiperinformação e hipervisibilidade e, consequentemente, hiperconsumo, fenômenos que nulificam de forma devastadora os mecanismos de resistências que se opõem ao estabelecido pela sociedade do desempenho, fazendo com que o contexto atual se caracterize pela positividade (Han, Byung-Chul. Topologia da Violência, Vozes, 2017).
Em outro artigo, escrevi que a sociedade da positividade é um espaço em que a capacidade de reação e questionamento sucumbiu mediante uma força que se caracteriza pelo poder de eliminar singularidades, diferenças, opiniões contrárias ao estabelecido pelo poder dominante. Nessa sociedade, qualquer expressão de negatividade como forma de questionamento ou contraposição ao determinado pelo sistema deve ser sumariamente eliminada. A sociedade da transparência é uma sociedade da positividade. Na prática, o que se efetiva é uma danosa ditadura do igual, fruto de um processo de positividade que, ao impor a igualização como modo de vida, aniquila o que faz brotar de mais belo e maravilhoso na vida que é a diversidade, o incomum, o estranho, o diferente e a diferença.
Esse movimento destrutivo do sujeito, fruto do excesso de cobranças e exigências impostas pela sociedade para obtenção do sucesso e da felicidade, ocorre através de um processo de implosão.
Han afirma que na era atual, marcada pelo excesso de positividade, as enfermidades que prevalecem são psíquicas como a síndrome de burnout, a hiperatividade e a depressão (2017). Esse movimento destrutivo do sujeito, fruto do excesso de cobranças e exigências impostas pela sociedade para obtenção do sucesso e da felicidade, ocorre através de um processo de implosão. Essa não é uma violência exteriorizada e, por isso, mais difícil de ser combatida. Ela ocorre dentro da pessoa. O sujeito interioriza essas formas de adoecimentos que vão, gradativamente, minando a sua condição de alteridade, na medida em que se isola e, portanto, vai perdendo completamente a noção do nós, a perspectiva de enxergar e de interagir com o outro e, por essas razões, entra num processo de ostracismo e isolamento de si. Esse processo narcísico é vorazmente danoso, violentamente destruidor e, muitas vezes, faz a pessoa sucumbir, levando-a ao suicídio.
O comprometimento da alteridade pela ausência do outro gera um processo de degradação de si e vai forjando um ser humano cada vez mais desumanizado. O outro passa a ser o meu igual, portanto meu concorrente e potencial ameaça para as minhas conquistas e possibilidades de sucesso. Nessa sociedade, o modo de vida que importa é o da homogeneização e para alcançar esse objetivo é fundamental eliminar as diferenças e impor a ditadura da igualização. A homogeneização é um processo impulsionador da positividade, pois ao eliminar o outro, elimina também as forças de resistências. Tudo se torna igual e, dessa maneira, não há o contraditório, não há o questionamento necessário para impulsionar as transformações possíveis. Han diz que “A sociedade atual, na qual vai se delineando uma erosão crescente do elemento social, produz, ao contrário, egos singularizados, isolados, com um fraco elo do nós; egos que se encontram em uma relação de concorrência acirrada. Tais egos não são singularidades que em comum podem oferecer resistência ao global. Ao contrário, todos eles são con-correntes, coatores e, ao mesmo tempo, vítimas do global” (2017, p.195).
É pela presença do outro, e somente por ela, que a nossa humanidade se expressa, vivifica-se, humaniza-se.
É pelo exercício da alteridade que podemos fazer frente à ditadura do igual. Para isso, precisamos urgente de atitudes de acolhimento, de solidariedade universal e de amorosidade pelo outro. Reconhecer o valor das pessoas e colocá-las acima das coisas é uma tarefa que não podemos mais negligenciá-la. Fortalecer laços, estreitar vínculos e construir pontes de diálogos alicerçadas na ética e na colaboração deve ser também um chamamento incondicional na luta pela superação das injustiças e das diversas formas de exclusão e preconceitos. O reconhecimento do outro e o respeito pelas suas singularidades são afirmações de que somente pela alteridade poderemos suplantar um modelo de sociedade nefasto e necrófilo, instituído pelas forças dominantes reacionárias e desagregadoras. É pela presença do outro, e somente por ela, que a nossa humanidade se expressa, vivifica-se, humaniza-se. Então, lutemos pela afirmação da alteridade e pelo fim da igualização das pessoas. Por isso, abaixo a igualdade! Abaixo a igualdade!
*Nelino Azevedo de Mendonça é professor, mestre em Educação e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve às quartas-feiras.
Foto destaque: Internet
Parabéns pelo artigo Nelino. Muito instigante.
Sim, a alteridade prescindi um olhar com base no universo do outro. Somos iguais nas nossas diferenças. Ótimo texto.