Uma urgência natalina: tirem Deus da política!
Enildo Luiz Gouveia*
Em 17.12.2020
A despeito da proximidade do Natal, da chegada de uma nova onda (ou seria ainda a mesma onda?) de contaminação pela Covid–19, dos mais de 180 mil mortos pela pandemia, da polêmica sobre uma possível vacina e da posse de novos/velhos prefeitos e vereadores, o uso político e escatológico de Deus se intensifica.
Em recente evento na Bahia o presidente Bolsonaro chegou a afirmar para uma legião de protestantes (evangélicos da Assembleia de Deus) que acima da Constituição Federal está a Bíblia. Apesar de mais uma postura e discurso inconsequente e incompatível com suas funções, o que mais impressiona é que muitas pessoas acreditam e defendem veementemente isto. Embora muitos sejam inocentes, tem um grupo de lideranças que atua tal qual os vendilhões que foram expulsos do templo por Jesus (São João 2,13-25). Estão interessados muito mais em confundir que esclarecer. A Bíblia ou nenhum outro livro sagrado pode estar acima da constituição de um país democrático onde Religião e Estado podem trabalhar juntos, mas não se misturam. Isto implica no respeito às demais crenças não-cristãs e também aos não-crentes.
Discursos como o feito pelo presidente e endossado por seus seguidores são o exemplo de como não se deve misturar religião e política, religião e Estado. Qualquer pessoa, incluindo os cristãos, deve, por força do exercício da cidadania, envolver-se na política. Todavia, a religião não. É fato que para quem crer nada ocorre sem a permissão de Deus. Mas é fato também, que Deus permite aos seres humanos que caminhem e tomem suas decisões. Toda a história bíblica ou não, religiosa ou não, dá-se num contexto político e isto inclui o Natal. Sendo assim, a política permeia nossa vida, cheia de contradições, erros e acertos. Mas o uso do nome de Deus para justificar posições autoritárias, discursos discriminatórios, escolhas de determinadas candidaturas com fortes apelos personalistas, fere princípios fundamentais da fé e da própria política.
Há uma afirmativa de Marx de que a religião é o ópio do povo. Tal afirmação tem duas interpretações. A primeira refere-se ao que realmente Marx estava dizendo. Ou seja, ao contrário da leitura conservadora e legalista, não é um ataque a religião, mas, um aceno no sentido de reconhecer que no campo da imaginação e da subjetividade, a religião torna-se uma forma de superação da opressão vivida pelo povo (vide revistacult.uol.com.br/home/o-opio-e-o-real/). A segunda interpretação, a literal, pode facilmente ser empregada nos dias atuais no Brasil. Ou seja, usa-se Deus e a religião para justificar praticamente tudo, inclusive, as insanidades de um presidente. Nesse sentido, Deus precisa urgentemente ser retirado da política.
*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e membro da Academia Cabense de Letras – ACL.
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