O que fazer?

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 28.12.2020

O espírito do Natal indo embora, é como se houvesse um momento de trégua na vida de todos, prevalecendo a bondade, a solidariedade, as orações. Época de culinária gostosa, à moda de grande festa. Todos os votos de felicidades foram desejados.

Agora se aproxima o ano novo, chegando ao fim 2020, que foi um ano diferente, pelo menos para algumas gerações – inclusive a minha – que não haviam experimentado a convivência com situações ameaçadoras ou o que chamamos de grande tragédia. Nascida há 76 anos, justamente completados hoje, já no final da Segunda Guerra Mundial, só tive conhecimento sobre a tragédia da guerra através dos livros escolares. Resultou em grandes perdas para a humanidade, sobretudo no assassinato de seis milhões de judeus, considerado o maior genocídio do século XX, denominado Holocausto.

Desde março de 2020 o mundo está imerso nessa trágica situação de pandemia provocada pelo novo coronavírus, que se insiste em dizer que nos apanhou de surpresa, embora alguns estudiosos da ciência já mencionavam, em seus escritos, a possibilidade da chegada de um vírus capaz de causar mudanças profundas na vida dos humanos.

Foi em 2015 que o professor Ralph Baric, da Universidade da Carolina do Norte (EUA) e pesquisador veterano de coronavírus, conseguiu demonstrar que o coronavírus semelhante ao causado pela SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), e originários de morcegos, representavam uma ameaça de um novo surto. A questão apresentada era que em algum momento poderia acontecer.

Em seu artigo intitulado “A Ciência previu a pandemia, mas ninguém ouviu”, Charles Schmidt, pesquisador da Santa Casa em São Paulo, fala do primeiro alerta feito em 2007: “O alerta – feito 13 anos atrás, e quatro anos depois de a primeira onda de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) matar quase 800 pessoas no planeta – foi um dos primeiros a prever a emergência de algo como o SARS-CoV-2, o vírus causador da atual pandemia”.

Os estudos científicos também se referiam à cultura chinesa que em alguns lugares se utilizam de animais exóticos para alimentação. “Todo mundo queria saber de onde o vírus tinha vindo”, explica Ralph Baric, micro biólogo da Gillings School of Public Health, da Universidade da Carolina do Norte. Os primeiros achados apontaram para civetas selvagens e cães-guaxinins, vendidos, respectivamente, como comida e pelas peles, em mercados chineses”

Na verdade, a alimentação com animais silvestres sempre aconteceu para habitantes de vários países do mundo que, por várias razões, não têm acesso a alimentos saudáveis consumidos em áreas urbanas. Também ainda é comum em alguns mercados a venda de animais silvestres, sendo abatidos nos próprios mercados, sem fiscalização e sem a higiene necessária.

O que a comunidade científica chama a atenção é para os efeitos da degradação ambiental para a saúde humana, o que tem acontecido sistematicamente, haja vista as doenças respiratórias que ameaçam a população, sobretudo crianças e idosos em grandes cidades como São Paulo e outras em nosso país. A degradação ocorre quando os recursos naturais da terra estão se esgotando e o meio ambiente fica comprometido com a extinção de determinadas espécies, com a poluição do ar, da água e do solo, e com o rápido crescimento da população humana.

Os nossos governantes, via de regra, não estão preocupados com essas questões que poderiam gerar mais qualidade para a vida no planeta, de modo geral, para todos os seres vivos, inclusive aqueles que vivendo em seus habitats selvagens, mantêm a sua contribuição biológica ao equilíbrio do planeta terra.

Quando anunciada há 13 anos a possibilidade da chegada do novo coronavírus, muitos países, inclusive o Brasil, já padeciam com a redução de recursos para pesquisas científicas. Ciência como suporte para o desenvolvimento da vida na terra não é algo que gere interesse por parte dos políticos e dos que só pensam em ganhos financeiros.

A questão que se coloca é o que fazer, quando o mundo se desenvolve, se moderniza, a população cresce e, nem os dirigentes políticos nem as pessoas individualmente ou coletivamente desenvolvem formas conscientes, sustentáveis, para a sobrevivência com qualidade de vida e equilíbrio.

Essa questão é nítida neste tempo de pandemia.

No mundo, mais de um milhão e quinhentas mil pessoas mortas pelo vírus.

Aqui no Brasil o enfrentamento à Covid-19 pelos governantes transformou-se quase numa guerra santa, gerando grande rastro de destruição, com milhares de mortos, desempregos, desencantos e desequilíbrio entre a população.

Já se foram mais de 190.000 vidas.

Protesto em praia do Rio de Janeiro. Foto: metropoles.com

Próximos da validade e nunca distribuídos para a rede pública de saúde, há mais exames RT-PCR em depósito do que tudo o que foi utilizado pelo SUS desde o início da pandemia. “Um total de 6,8 milhões de testes para o diagnóstico do novo coronavírus comprados pelo Ministério da Saúde perde a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021”. (O Estado de São Paulo)

O governo federal, com exceção do auxilio emergencial, nada fez para que a população compreendesse a importância do isolamento social, através da conduta do próprio presidente e de alguns ministros. Nem mesmo o uso de máscara e hábitos de higiene. Tornou-se comum ver o presidente em ambientes públicos sem máscara, provocando aglomeração, se alimentando de cachorro quente e limpando os restos de alimentos da boca com a costa da mão ou com o antebraço.

Prefeitos e governadores acompanham este comportamento, numa demonstração inequívoca para o povo de que não é importante o cuidado com a vida.

Resultado de tudo isso observa-se agora com o ressurgimento da doença, com praias, transportes públicos, bares, restaurantes lotados com multidões inteiramente desprovidas das precauções contra a contaminação pelo vírus.

Para a jurista  Eloisa Machado, “há elementos na conduta do presidente da República que já poderiam gerar investigações criminais e responsabilizações” em todos os âmbitos da Justiça, inclusive a abertura de um processo de impeachment.

Além disso, “entidades científicas e de defesa de direitos estão reunindo evidências e provas para a demonstração das consequências dessas irresponsabilidades, visando subsidiar iniciativas aptas a exigir a apuração de atos de improbidade e a reparação do dano coletivo. Todos têm direito de nascer, viver e morrer com dignidade. Vidas perdidas têm responsabilidades atribuíveis”, afirma a nota das entidades. (El Pais)

Quando já eram 55 mil os mortos e 1,2 milhão os infectados pela Covid-19 no país o Tribunal de Contas da União (TCU ) denunciou que do recurso disponível para o enfrentamento à pandemia, apenas um terço teria sido gasto, demonstrando a ineficiência do Ministério da Saúde na definição de estratégias e distribuição dos recursos através do SUS.

Com relação à vacinação, se observou um verdadeiro desprezo pelos processos iniciados no Brasil e em vários países. Vacina virou moeda de troca para eleição do próximo presidente da república.

O que fazer?

É preciso cuidar da terra, dos rios, dos mares, das florestas sua fauna, suas reservas, das populações que ainda vivem numa relação direta com a natureza como os ribeirinhos, indígenas, aborígenes e de todos os seres humanos que aqui se abrigam.

Se tivessem dado atenção aos alertas da ciência, valorizado a palavra dos cientistas, os países estariam mais preparados para enfrentar a pandemia.

No Brasil, ter um ministro da saúde que seguisse os princípios do SUS e não que se preocupasse apenas em satisfazer cegamente as vontades do presidente, já seria meio caminho andado. Preferiu jogar a ciência pela janela e sequer fez uma campanha alertando a população para o comportamento de risco e sobre a importância do distanciamento social e do uso das máscaras.

Não houve sequer preocupação com o maus exemplos expressados para o país inteiro pelo presidente e alguns dos seus ministros.

A vacinação da população em massa é a única saída científica, no momento, para  controlar o avanço do vírus.

Ao atraso do Brasil na largada para a vacinação em massa para a Covid-19 soma-se agora a hesitação de uma parcela crescente e considerável da população brasileira em tomar a vacina. De acordo com pesquisa recente do Datafolha,  o percentual de brasileiros dispostos a se vacinar contra a Covid-19 caiu de 89% na primeira quinzena de agosto para 73% em dezembro, e no mesmo período cresceu de 9% para 22% a parcela de pessoas que declaram que não querem tomar a vacina. Há ainda 5% que preferiram não opinar.

O que fazer, então?

Seguir vivendo, esperando a vacina, aguardando as próximas eleições para trocar o presidente, enterrando os mortos, cuidando dos doentes… e continuar lutando por um mundo em equilíbrio.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Foto destaque: InfoMoney