A derrota da ignorância

Por

Ayrton Maciel*

Em 10.01.2021

A primeira semana de 2021 terminou com o ápice da Era contemporânea da ignorância e do negacionismo. A invasão incitada pelo presidente Donald Trump de milicianos republicanos ao Capitólio, o Congresso dos EUA, acabou em fracasso completo – embora sanguinário -, desmoralização do  tresloucado incitador, que agora vai responder por seus atos, e se transformou na pedra sepulcral sobre a insensatez, a insensibilidade e a cultura do desconhecimento. A pedra extensiva sobre a cabeça de governantes imitadores e de ferozes seguidores do trumpismo.
Essa reação da lucidez, que marca o começo de uma nova Era da Luz, não significa que num futuro momento da humanidade, os ignorantes – aqueles violentos e os incultos -, os místicos e os negacionistas não buscarão retornar. Afinal, é a eterna guerra entre o saber e o obscurantismo. Como foi e como será, os obscuros durarão um tempo, causarão desgraças a seus povos e a outros, e sucumbirão novamente sob a força (bruta, se necessária) do racionalismo, do antifanatismo e dos que militam pela alternância de poder e pela tolerância.
O mal e os maus sempre existiram na história humana, continuarão a surgir, mas serão sempre derrotados.
As reações automáticas das instituições norte-americanas levaram à prisão de dezenas, muitos outros serão julgados e, certamente – a considerar a tradição do Estado e do povo dos EUA -, Donald Trump será punido política e judicialmente. Trump é a primeira pedra do dominó. As demais cairão pela palavra, pelo voto ou pelo ato reativo à ideia primitiva à qual os trumpistas e semelhantes mais fazem apologia: a força bruta. O mal e os maus sempre existiram na história humana, continuarão a surgir, mas serão sempre derrotados.
O que está óbvio é que qualquer ato ou comportamento atroz, impiedoso ou irracional que Trump tenha feito, fizesse ou venha a fazer nestes 10 dias que lhe restam na presidência dos EUA, caso não seja deposto – até mesmo deflagrar uma guerra de dimensões catastróficas contra um inimigo virtual, hipótese improvável, embora não descartável por sua psicopatia – contará sempre com a admiração de governantes, políticos e alinhados obscurantistas. Agora, o juízo que ele tenha o impedirá de atacar outro de igual poder bélico.
Trump é ignorante nos dois extremos: preza a violência e é inculto. E não há nenhuma perplexidade em encontrar líderes que tenham silenciado sobre a incitação de Trump e o ataque dos vândalos republicanos ao Capitólio. Nenhuma surpresa em Jair Bolsonaro, um presidente previsível como cópia e imprevisível como ser humano. Ou ex-imprevisível, porque o Brasil há de estar sempre preparado para o pior. Bolsonaro, ao não condenar a invasão e tomar o Capitólio como o Brasil em 2022, desdenhou de sua própria ignorância.
O presidente ameaça os brasileiros e o país há dois anos. Viveu o seu auge nas manifestações de rua de irracionais e obscuros em 2020, intimidando as instituições e incitando a violência contra os opositores, e nas regiões fechadas de seu ministério, enquanto não se tornaram públicos as pautas e o nível de discursos dos participantes. Perderam e perderão sempre em algum momento. O presidente se ilude frequentemente em cima dos 57 milhões de votos, desconsiderando os 44 milhões contra e os 42 milhões de indiferentes. Uma conta que não fecha a favor do seu irracionalismo.
O Congresso, o STF e o TSE  não serão o Capitólio em 2022, porque Bolsonaro já é previsível como cópia.
Não conseguir impor a sua vontade, claramente suspeita quanto à intenção, é um desafio ao delírio autoritário de Bolsonaro. Imaginar que a Justiça Eleitoral restabelecerá o voto em cédula de papel apenas para atender a suas ameaças ou o seu capricho de ditador de republiqueta é autoalimentar seu êxtase. O Congresso, o STF e o TSE  não serão o Capitólio em 2022, porque Bolsonaro já é previsível como cópia. Se resta perplexidade, está no silêncio das Forças Armadas, habitualmente envolvidas por Bolsonaro em seus delírios. Talvez aí, em 2022, elas tenham de demonstrar que são todos os brasileiros ou apenas parte do povo.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos.
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Foto destaque: g1.globo.com