Apostando na juventude, Guterres diz que emergência climática é prioridade número 1 para ONU
ONU News
Em 11.01.2021
Secretário-geral discursa em celebração virtual dos 75 anos da primeira sessão da Assembleia Geral, realizada em 1946, em Londres; António Guterres afirma que mundo pode emergir mais forte da pandemia e que organizações de base, setor privado, sociedade civil e governos devem participar da Assembleia Geral.
O líder das Nações Unidas, António Guterres, compareceu neste domingo a uma celebração virtual para marcar os 75 anos da primeira sessão da Assembleia Geral em Londres. O evento integra uma visita virtual do chefe da ONU ao Reino Unido, que ocorre neste domingo e na segunda-feira.
Em 1946, 51 países estiveram na primeira sessão da Assembleia. Das nações de língua portuguesa, o Brasil foi o único presente como membro fundador da organização.
Parlamento
Em mensagem de vídeo, o presidente da Assembleia Geral da ONU, Volkan Bozkir, lembrou que o órgão continua sendo a casa de todos os Estados-membros grandes ou pequenos que têm a mesma voz nos trabalhos diários.
Da sede da ONU, em Nova Iorque, Guterres falou a jovens e autoridades sobre a importância da recuperação da pandemia na criação de um mundo mais justo e saudável para todos.
António Guterres prestou um tributo ao segundo funcionário contratado pela ONU, o britânico Brian Urquhart, que morreu em 2 de janeiro aos 101 anos de idade, e que ajudou a organizar a primeira sessão da Assembleia Geral, em 1946.
Ao se dirigir aos jovens, Guterres lembrou que a organização foi criada logo após a Segunda Guerra Mundial. Ele citou os anos de “sofrimento sem precedentes” impostos ao mundo e aos judeus na Europa que enfrentavam o extermínio enquanto Londres era bombardeada e o Parlamento britânico atacado, em agosto de 1941.
Guterres lembrou como o primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill, e o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, se uniram para executar o que ele chamou de uma “visão única para as gerações do pós-guerra”. Os compromissos assumidos nesta união, conhecida como Carta do Atlântico, estabeleceram as bases de uma ordem para um mundo mais justo, baseada nos direitos das pessoas de escolher suas formas de governo, e na cooperação dos direitos humanos e do Estado de direito.
Carta da ONU
Três anos depois, muitos desses princípios fizeram parte da Carta das Nações Unidas. Desde então, o mundo conseguiu evitar uma Terceira Guerra Mundial.
O chefe da ONU afirmou que desde a realização da primeira sessão da Assembleia Geral, em Londres, o órgão da ONU tem atuado nos temas mais importantes da história mundial. Desde direitos humanos à proteção ambiental passando pelo controle de armas e crimes de guerra. O trabalho da Assembleia tem ajudado a avançar com temas como saúde global, alfabetização, padrões de vida e proteção dos direitos humanos e da igualdade de gênero.
A declaração da Assembleia concedendo independência a povos coloniais em 1960 foi um marco no direito à autodeterminação. Desde a criação da ONU, mais de 80 ex-colônias se tornaram independentes. No ano passado, a ONU esteve na linha de frente do combate à Covid-19.
A Organização Mundial da Saúde liderou a resposta global coordenando o fornecimento de equipamento de proteção, treinamento e serviços de saúde. Logo no início da pandemia, a Assembleia Geral agiu com rapidez para aprovar uma resolução que pedia solidariedade global para enfrentar o vírus.
Conquistas e falhas
António Guterres destacou, no entanto, que mesmo orgulhosos de todas as conquistas, o mundo está ciente das falhas. A emergência climática tem recebido uma resposta “totalmente inadequada”. A década passada foi a mais quente da história. E os níveis das emissões de dióxido de carbono, CO2, batem todos os recordes. Ele citou exemplos como incêndios florestais, ciclones e furacões que estão se tornando normais. Para o chefe da ONU, sem mudança, o mundo irá atingir um aumento da temperatura na casa de 3 graus Celsius ainda neste século.
Ao falar da biodiversidade, ele lembrou que 1 milhão de espécies estão sob risco de extinção e ecossistemas inteiros desaparecem a vista de todos. Para ele, trata-se de uma “guerra contra a natureza”, onde todos perdem.
Ao falar das guerras convencionais, ele disse que elas estão cada vez mais difíceis de resolver. As tensões geopolíticas aumentam e a ameaça de um confronto e proliferação nuclear voltou a ser uma realidade.
Guerra cibernética
O número de pessoas com fome também subiu e assim como o dos que caíram na extrema pobreza, pela primeira vez, em décadas. Com relação às tecnologias transformadoras, o secretário-geral afirma que elas abriram novas e vastas oportunidades, mas também ameaças. Desde a guerra cibernética até à desinformação com o discurso de ódio e à subversão política, além da vigilância em massa.
Uma das preocupações atuais, segundo o chefe da ONU é com o “nacionalismo de vacinas”, quando alguns países ricos competem para comprar a imunização para o seu povo sem levar em conta os mais pobres no mundo que não têm os recursos.
Guterres agradeceu ao governo britânico por apoiar o mecanismo Covax de vacinas, da OMS, que na semana passada fechou um acordo para comprar de 2 bilhões de doses de vacina para levar aos países de rendas baixa e média.
O secretário-geral lamentou o impacto que a pandemia teve sobre os mais pobres, mais velhos, crianças, pessoas com deficiência e minorias de todos os tipos. Ele contou que mais 88 milhões de pessoas foram lançadas na pobreza desde o surgimento da Covid-19, em dezembro de 2019, em Wuhan, na China. E mais de 270 milhões de pessoas estão sob risco de insegurança alimentar.
Igualdade de gênero
As interrupções causadas pela pandemia foram sentidas também na educação de milhões de crianças que persistirão para o resto de suas vidas. E milhões de mulheres ficaram confinadas em casa e perto de seus agressores levando a um retrocesso na igualdade de gênero.
As medidas de emergência para enfrentar a Covid-19 foram utilizadas para silenciar a mídia em todo o mundo. A pandemia colocou em evidência profundas fragilidades desta era.
Para enfrentá-las, o chefe da ONU afirma que será preciso reduzir a desigualdade e a injustiça e fortalecer os lanços do apoio mútuo e da confiança.
Ele pediu um novo pacto global assim como o melhor e mais igualitário gerenciamento de poder, recursos e oportunidades.
Os países em desenvolvimento, por exemplo, têm de ter um papel proporcional nas instituições globais. E em nível nacional, ele pede um novo contrato social entre pessoas, governos, setor privado, sociedade civil e mais setores para combater o que ele classifica de seis raízes da desigualdade. A receita do chefe da ONU é uma taxação de impostos justa sobre a renda e a riqueza, benefícios universais e oportunidades para todos.
Direitos humanos
António Guterres defende uma ênfase forte sobre a qualidade de educação para todos e o acesso à tecnologia digital como facilitadores poderosos desse processo.
Ao mencionar o investimento na recuperação da Covid-19, Guterres afirma que as economias e as sociedades devem ser colocadas em bases mais fortes como dignidade e direitos humanos, cooperação para paz e respeito por outras espécies, pelo planeta e suas fronteiras.
Para o chefe da ONU, a pandemia é uma tragédia humana e pode ser uma oportunidade. Os meses passos mostraram que as transformações gigantescas são possíveis. Segundo ele, onde existe vontade política e consenso sobre o futuro.
Guterres afirmou que o Acordo de Paris e a Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável incluindo os Objetivos Globais são uma base para um mundo mais saudável após a Covid-19.
Neutralidade em carbono
Ele lembrou que esses acordos foram adotados por todos os países e inspirados pelo ativismo das comunidades, da sociedade civil e especialmente de jovens em todo o mundo. Para Guterres, agora é preciso ter mais ambição e ação para realizar essas propostas, que devem começar pela emergência do clima.
Segundo o secretário-geral, o objetivo principal da ONU este ano é construir a coalizão global para neutralidade de carbono até o meio deste século. Para tal, é preciso promover cortes drásticos de redução das emissões de CO2 até 45% em 2030, comparadas com os níveis de 2010.
O Reino Unido prometeu cortar suas emissões em 68% até 2030 comparadas aos patamares de 1990. Ele disse contar com a forte liderança do país que se prepara para abrigar a Conferência Internacional sobre Mudança Climática, COP-26, na Escócia.
Esperanças e receios
Guterres lembrou que todos os países, cidades, organizações, instituições financeiros e empresas precisam adotar o plano de zero emissões até 2050, e para isso têm que começar a executar agora com metas de curto prazo.
Ao finalizar, ele afirmou que a ONU marcou o seu 75º. Aniversário em 2020 com uma pesquisa global perguntando a pessoas em todo o mundo sobre suas esperanças, receios e prioridades em matéria de ação internacional.
E mais de 1,5 milhão de cidadãos responderam ao chamado clamando por um acesso melhor à saúde, educação, água potável e saneamento básico.
Os entrevistados também exigiram mais solidariedade internacional e apoio para quem precisa. E 97% dos participantes pediram melhorias na cooperação global para encontrar soluções para os desafios atuais.
ONU revitalizada
Eles expressaram ainda um apoio forte para uma ONU revitalizada como plataforma de colaboração.
E 75 anos após a fundação da organização, a Assembleia Geral permanece sendo o fórum global no qual todos os países têm voz.
Neste momento, em que o mundo e a ONU olharam para o futuro, António Guterres afirma que a prioridade é a ação climática seguida de uma ação para proteger os direitos humanos, enfrentar conflitos e corrupção, promover a sustentabilidade a o crescimento inclusivo, além de criar empregos.
Para ele, o mundo está lidando com desafios sem precedentes, mas existem razões para otimismo.
Segundo Guterres, pessoas em todo o globo compreendem que os problemas de hoje exigem novas formas de abordagem, baseadas em valores e princípios comuns.
Multilateralismo e liderança feminina
Ao afirmar que o mundo vive um momento parecido com o de 1945, o chefe da ONU ressaltou que o ano não é o mesmo. Em 2021, a guerra é contra um vírus microscópico. E amanhã, poderá ser contra terroristas no espaço cibernético.
Mas para ele, o mundo continua perdendo a batalha longa contra a mudança climática. Guterres diz que o conflito não é mais resolvido por poder militar e econômico somente, e que o poder não é mais somente reserva de Estados.
O secretário-geral acredita que enquanto a demanda por cooperação continua, é preciso expandir a ideia do significado da mesma. Nesse mundo constitucional, é necessário abraçar um multilateralismo de redes, no qual organizações regionais e globais se comunicam sobre metas comuns. E no qual, o multilateralismo inclusive, baseado na representação equitativa das mulheres, e com atuação de jovens, da sociedade civil, de negócios e tecnologia, cidades e regiões, ciência e academia.
Ele finaliza dizendo que é preciso mudar o sistema global para um sistema de parceria global. Com justiça, igualdade, equidade de gênero como pré-requisitos.
Para António Guterres, a liderança das mulheres e a participação igualitária são chaves para enfrentar os desafios de hoje.
Paz duradoura
O ano que passou destacou a eficiência da liderança feminina mostrando que o processo de decisão com a participação das mulheres leva a acordos mais fortes para o clima, a melhores investimentos em proteção social e a uma paz mais duradoura além de melhor inovação.
Atingir a representação equitativa para as mulheres requer uma ação ousada, e ele se diz orgulhoso do sucesso da ONU nesta área nos últimos quatro anos.
O secretário-geral falou da estátua da sufragista britânica, Millicent Fawcett, localizada em frente ao Parlamento em Londres, que diz: “a coragem pede por coragem em todas as partes”.
Jovens e esperança
Para ele, hoje são os jovens que estão demonstrando coragem e pedindo coragem ao resto do mundo. Ele diz apoiar esses jovens que dão esperança a ele.
Segundo Guterres, a juventude pode mudar o mundo e já o faz. O chefe da ONU não tem dúvida de que o momento é de mudança, de ativistas de base, de jovens e da sociedade civil, e de negócios, cidades, regiões e governos na Assembleia Geral da ONU.
Para ele, o mundo pode emergir da Covid-19 como um planeta mais seguro, mais limpo e mais justo para todos.
Após o discurso, António Guterres respondeu a perguntas de participantes e ativistas jovens de várias partes do globo.