Aprender é coisa que se aprende

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 11.01.2021

Pertenço a uma geração que encarava como lazer ir à biblioteca para ler, encontrar com colegas, amigos e discutir sobre o que leu. Aprendi a ler com minha primeira professora, dona Valdemira, em sua escola que funcionava em sua residência na Rua da Goela, Em Ipu (CE), onde morávamos.

Cheguei à escola aos dois anos e meio, através de uma fuga da minha casa para a escola, que ficava a poucos metros de distância. Foi através deste episódio que meus pais chegaram à conclusão que era chegada a hora de adentrar ao mundo do conhecimento. Dona Valdemira me contava essa história com todo afeto que cultivamos mutuamente até eu concluir o curso de magistério. Era como uma conselheira que nos acompanhava a todos que haviam passado pela alfabetização na sua escola.

Professora muito bem conceituada na sociedade – assim como muitos professores da minha época, acompanhada por dona Valderez, professora de música e teatro – logo entendeu que o processo de aprender é alicerçado por atividades culturais que são a representação do cultivo do conhecimento humano, da experiência de vida ao longo do tempo, da representação dos costumes desenvolvidos ao longo da história da humanidade.

Aprendi com elas que aprender é uma atividade cultural que perpassa a vida. Aprendemos de várias formas. A aprendizagem está inevitavelmente ligada à nossa história, à história do homem, à sua construção enquanto ser social com capacidade de adaptação a novas situações.

O ato de aprender é individual, daí a sua importância para a nossa formação, para a nossa história de vida. “Sendo assim, fica claro que cada sujeito aprende a seu modo, do seu jeito, dentro de um ritmo e tempo próprios, que as intervenções internas e/ou externas são motivações, estímulos que produzem no sujeito uma forma muito especial de aprender. A motivação, ao lado do ato de aprender e desse sujeito aprendente vem engajada ao conhecimento, com a presença de um saber adquirido, de um conteúdo dado, o qual deve ser fonte de prazer em si mesmo e do desejo de cada vez mais se aprender”. (Débora Freire, in O Ato de Aprender e o Sujeito que Aprende)

Quando aprendi a ler com o apoio de dona Valdemira, logo recebi o incentivo do meu pai para exercitar o gosto pelo ato de aprender. Um dos alfaiates da cidade, autodidata, ele só frequentou os quatro primeiros anos da escola primária, mas desenvolveu o gosto pela leitura após a dedicação ao futebol e à boemia. Diz-se que ele foi um bom jogador, um grande boêmio e posteriormente exímio alfaiate. Cada predicado a seu tempo.

Elegante, sempre com sua roupa de linho branco, fazia uso dos suspensórios coloridos para realçar o branco do vestuário. Amante da leitura e dos noticiários. A alfaiataria era um ponto de reuniões de políticos da cidade, de onde ecoavam as disputas partidárias. Mantinha ali uma pequena biblioteca com alguns livros de escritores nordestinos e revistas sobre a Segunda Guerra Mundial e as revistas da época, como O Cruzeiro, Manchete, Realidade e os principais jornais do Ceará. Revistas e jornais chegavam através do trem que passava na cidade três vezes durante a semana.

Meu pai, diferente da minha mãe, não era adepto à aplicação de castigos severos aos filhos. Quando a atitude não agradava, o castigo era a leitura. Então ele mandava os filhos lerem em voz alta as reportagens contidas em jornais e revistas, enquanto ele alinhavava os paletós.

Assim aprendi a ler, compreender o que estava lendo e até aprendi a dar vida aos parágrafos com a entonação da voz. Hoje recordo esse tempo com grande emoção, porque me fez muito bem na construção do que hoje sou.

Os primeiros livros que li saíram da sua simples biblioteca. Foram O Quinze, de Raquel de Queiroz; um livro de poemas de Quintino Cunha e uma brochura de Graciliano Ramos, Vidas Secas e os Sertões, de Euclydes da Cunha. Para os mais velhos, o livro de Euclydes da Cunha quase se constituía uma bíblia, porque relatava a história da garra de Antônio Conselheiro e seu povo contra o Exército brasileiro, parte da história do povo nordestino.

Lendo os jornais e revistas da época em voz alta, tomei conhecimento da situação que atravessava a República no governo de Getúlio Vargas e as travessuras políticas do seu chefe da guarda pessoal, Gregório Fortunato, contra Carlos Lacerda, líder da oposição, que resultou na morte do presidente. Momento que gerou vários acontecimentos importantes. Alguns estudiosos falam que o golpe militar de 1964 poderia ter acontecido em 1954. De acordo com o historiador Antônio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), “o suicídio de Getúlio Vargas mexeu tanto com as emoções do país que parte dos brasileiros que tinham aversão ao presidente passou a encará-lo como vítima. Os adversários de Getúlio, então, perderam as forças para tomar o poder. O golpe teve de ser abortado. A ditadura militar só seria imposta dez anos mais tarde”.

Aprendi por experiência própria e incentivo da família e dos professores ainda cursando o ensino fundamental, que o conhecimento ultrapassa os espaços escolares e que a leitura aprimora o vocabulário, desenvolve senso crítico e amplia a capacidade de raciocínio.

Ler e escrever corretamente nos dias de hoje é fundamental para o jovem se tornar um trabalhador qualificado e determinante e para seu sucesso no âmbito pessoal e profissional. (Jéssica Amorim)

No mundo atual, onde assistimos o domínio das redes sociais, observamos também que os espaços de comunicação e aprendizado se multiplicam, buscando com maior nitidez a velocidade da notícia, o que faz com que passemos maior parte do tempo conectados aos instrumentos tecnológicos.

O perfil da sociedade leitora sofreu grandes alterações, principalmente em relação ao material escrito. A leitura tornou-se mais ágil e livre, com uma visão quantitativa, onde é possível ler várias obras com rapidez e sob um olhar crítico.

Segundo Jonathan Diniz, “a leitura ganhou um novo formato, ficou dinâmica e para compreendermos o mundo da leitura hoje é necessário percorrer o caminho pelo qual a leitura passou na história da humanidade”. Consequência disso, as formas de aprender se multiplicaram, diversificaram e se colocaram à disposição de todos.

É fácil observar que ao longo do século XX as formas de aprender a ler o mundo e os meios de comunicação foram aprimorados enquanto outros surgiram, possibilitando aos indivíduos novas formas de aprender, como a fotografia, o rádio, o cinema, a televisão, o computador. Compete a nós fazermos as nossas escolhas, desenvolver a curiosidade, aprimorar a dúvida, e não esquecer que é na relação com o outro, através da presença e do diálogo que nos formamos e nos realizamos enquanto seres humanos.

O mundo cada vez mais exige do ser humano conhecimentos para se desenvolver e desenvolver o meio em que vive. É nossa tarefa.

Os caminhos da aprendizagem na atualidade são múltiplos. Não podemos ficar de olhos fixados para o celular, o aparelho mais popular na atualidade, apenas reproduzindo o que outras pessoas falam. É preciso focar na busca do conhecimento para podermos decidir melhor sobre que rumo seguir, que vida construir. Muitos estudiosos têm dito que para se enfrentar os desafios do século XXl é preciso aprender a aprender, o que podemos fazer com os instrumentos tecnológicos da modernidade.

Ler um jornal diário e livros que não estão na lista dos vestibulares ou visitar museus e mostras de arte também são estratégias de estudo. Assistir a uma peça de teatro, conhecer uma reserva florestal, as formas de vida da população e compreender as estratégias de sobrevivência, são também formas de aprendizagem.

Aprender a aprender é a parte individual que cabe a cada um desenvolver. Aprender a pesquisar, a captar, a observar, a inquirir, a deduzir… e assim, fazendo cada um o seu caminho, construindo a sua existência, vai delineando a sua autonomia diante do pensamento alheio.

É aprendendo permanentemente que atravessamos o tempo de vida.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.