A saída pelo capitalismo
Ayrton Maciel*
Em 08.02.2021
Há 25 anos, um economista inglês afirmou, em entrevista, que o maior entrave ao desenvolvimento do Brasil – o grande obstáculo para que o país dê um salto capitalista – é a pequena capacidade de consumo da maior parte da sua população, o que perpetua um limitado mercado interno consumidor. A trava na economia e ao progresso é histórica, seguramente tem preconceitos sociais e de raça entre suas causas, heranças da colonização e da escravatura. A elite dominante econômica e política – do açúcar, do ouro e do café – sempre foi reacionária a um país inclusivo, e transmitiu o xenofobismo, os estereótipos e a violência para os herdeiros.
O Brasil tem de aumentar o seu mercado, incorporando ao consumo estável a grande massa historicamente excluída – a baixa escolaridade é outra herança xenófoba -, sem capacidade por não ter renda, que como consequência ‘não faz a roda do capitalismo rodar’. Era o pensamento do economista britânico, que não recordo o nome. Passados 25 anos, o desenvolvimento econômico do país – indústria, agronegócio, redes de comércio e tecnologias – avançou, mas descolado do progresso social estável. A grande massa não foi incorporada, os benefícios não foram divididos. Sem as políticas sociais compensatórias desse período, estaríamos como há 30 anos.
O restrito mercado interno de consumo e a grande massa de mão de obra não incluída, despreparada ou ociosa, não produz e é invisível no mercado. Porém, povoa as periferias urbanas e os rincões rurais. Excluída do consumo, o mercado não se sustenta. Irá sempre recorrer ao Estado-mãe, às tetas ricas para se socorrer das fragilidades que ele próprio, o mercado xenófobo, reproduz. É como uma reprodução assexuada, uma clonagem permanente. O conselho do economista inglês está atualizado: só que o Brasil não buscou o aumento do seu mercado de consumo, porque não venceu os preconceitos que obstruem a inclusão dos excluídos. O Brasil é uma máxima capitalista óbvia.
Com 211 milhões de habitantes, o sexto mais populoso do mundo, o Brasil tem uma população economicamente ativa de apenas 90 milhões, segundo o IBGE, que correspondem a 43% dos brasileiros – incluídos empregos precários, autônomos – , percentual bem menor que o restante da população. A maioria fica, então, dependendo do sustento pelos economicamente ativos. A realidade se torna mais grave quando constatado que grande parte desses excluídos da produção e do consumo, por não ter ocupação e renda, são os jovens. Em países desenvolvidos ou menos desiguais, o índice da população ativa chega a 75% do setor produtivo.
Mais de 25 anos depois, pouco mudou – de forma permanente – a vida desigual e desumana dos brasileiros. Excetuando-se as políticas sociais provisórias de renda e condições de vida, como o Bolsa-Família, o Minha Casa Minha Vida e auxílios, que contribuíram para a retirada de 30 milhões da extrema pobreza e da pobreza estrutural, uma grande massa ainda se reproduz nas mesmas condições de há 25 anos. Considere-se que, de acordo com institutos de pesquisa, parte desses que ascenderam socialmente retornaram às condições anteriores, devido à crise econômica dos últimos anos e ao desmonte dos programas e da políticas públicas de assistência que os governos recentes promoveram.
Os dados evoluíram para pior. O IBGE revelava que o Brasil tinha 25,3% da sua população abaixo da linha da pobreza, o que equivale a 52,5 milhões de pessoas, e havia outros 6,5% na extrema pobreza, o correspondente a 13,5 milhões, em 2017. A massa de extremamente pobres cresceu. Em 2019, eram 15,2 milhões de pessoas ou 7,4% da população vivendo na extrema pobreza, enquanto 51,7 milhões viviam abaixo da linha da pobreza. Uma migração para baixo. Essa despreocupação custa caro ao Brasil.
A opção das elites econômica e política em desenvolver o país sem compromisso em reduzir o fosso de desigualdade de classes, uma despreocupação preconceituosa e racista, é a herança desumana que marca a sociedade brasileira, passados 182 anos da Independência, 132 anos da abolição da escravatura e 131 anos da República. É obrigatório lembrar que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, e o fez sem preocupar-se em gerar ocupação, profissionalização e educação para os então libertos. O país paga com a miséria, a pobreza e a baixíssima escolaridade uma conta que o mantém entre os subdesenvolvidos.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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