As reformas, o debate e a chance perdida

Por
Ayrton Maciel*
Em 15.02.2021
De quando em quando, volta ao restrito debate das elites política e econômica o assunto “reforma do Estado brasileiro”. As reformas, no coletivo. Restrito porque a quem mais interessa, a sociedade organizada, é a quem o debate não é aberto. Do povo, esse ser animado e que deveria ser o objeto direto, o assunto é excluído. Inclusive, o Congresso Nacional – em razão da natureza da nossa democracia, representativa – atribui a si a exclusiva representação da vontade popular. Algo como: “quando o Parlamento fala, o povo fala”. É uma verdade, mas parcial.
O Parlamento não é um deus, nem o oráculo do povo. No Brasil, quando mudança que afeta a vida da população é aprovada, sem prévio debate ou escuta, frequentemente não é a opinião nem a benefício da maioria que foi acatada. O mesmo ocorre em Assembleias e Câmaras municipais. Nos últimos anos, reformas da Previdência e trabalhista e alterações em legislações de benefícios foram abraçadas pelo Congresso, atingindo substancialmente os brasileiros, sem o justo debate com a sociedade. Reformas que atenderam ao mercado, o “deus do capital”.
Um país e uma nação não são objetos estáticos, não são um conjunto de seres inanimados. Reformas são sempre necessárias, porque o conhecimento, a ciência e a tecnologia são motores de progresso, desenvolvimento e avanços na vida do ser humano. Às vezes, utilizados para o mal, ressalve-se. E o Brasil, como nenhum outro país, deve optar pela estagnação. O que se pode diferenciar, quando se reclama por mudanças, é que “há reformas e reformas”. De todas as reformas do Estado demandadas há quatro décadas, o Brasil precisa de todas, porque as que foram ensaiadas atendem apenas ao “deus mercado”.
E de todos os governos, nesses 35 anos, o que mais teve chances – pelo amplo espectro de apoio inicial, pela capilaridade social e pelo discurso que o consagrava e a expectativa que gerou -, foi o do PT.
A primeira e mais imprescindível reforma, há muito fazendo falta e que puxaria as demais, é a política. Uma democracia não pode ter o Parlamento como única voz do povo. Representação eleita, sim. Voz única, sem o espaço direto – o debate, a escuta -, é ser também um deus. O Brasil perdeu tempo ao não ter feito reformas nos momentos oportunos. E de todos os governos, nesses 35 anos, o que mais teve chances – pelo amplo espectro de apoio inicial, pela capilaridade social e pelo discurso que o consagrava e a expectativa que gerou -, foi o do PT. Perdeu as oportunidades, porque assim quis.
Reformas política, trabalhista, previdenciária, administrativa, judiciária, tributária e fiscal, da educação, da saúde, do pacto federativo e, de partida, a reforma política. Pelas relações com a sociedade, o cacife com as organizações sociais e, assim, a possibilidade do debate e da escuta, nenhum outro governo teve mais ambiente para reformar o país que o do PT. Perdeu rápido o capital político e social para reformar as estruturas do Brasil, porque a correlação de classes e forças não espera indefinidamente. A vontade e o debate tinham de ser estabelecidos de imediato. Um momento em que o “deus mercado” não influenciava tanto, não era o “supremo”.
A ambição acabou engolindo o ambicioso.
Não olhar para o futuro, deter o poder como fetiche, como o objeto direto da ação, é repetir  tudo o que veio antes, o que se condenou – porque deve ser condenado (e nada mudou) –  e que era levado à fogueira. O PT poderia ser, hoje, um partido consolidado nacionalmente, ascendente em todas as classes. A ambição acabou engolindo o ambicioso. Autocrítica não é uma virtude do partido, lamentavelmente. A decepção e o trauma – não só de partidários – e a perseguição sofrida não significam que o partido morreu. Porém, dificilmente permitirão que reconquiste a dimensão que um dia teve. No Brasil atual, a esquerda está órfã de um partido contemporâneo e capilarizado.
Reformas que não sejam como exclusivamente o “deus mercado” deseja serão sempre uma “guerra santa”, no sentido figurado. E no Brasil, a reforma política, o ovo de todas as reformas, tornou-se a “mãe de todas as batalhas”. A questão é que o país não possui, agora, um partido que possa propor e conduzir o debate aberto com todos os setores da sociedade sobre o que precisa reformar.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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