É preciso esperançar

Por

Izabel Santos*

Em 20.04.2021

“A emoção é grande. Tive um misto de alegria e tristeza quando fui me vacinar, porque se já tivesse chegado para outras pessoas, muitas não teriam morrido.”

Fiquei pensando nesta frase depois de ouvi-la de uma senhora que acabara de se vacinar. Estou esperando ansiosa por minha vez, mas vou percebendo as emoções despertadas pela chegada da vacina se pulverizando diante das tristes notícias sobre as pessoas que estão “indo embora” antes de conseguir ser imunizada. A toda hora escutamos que alguém morreu por complicações da Covid-19. São pessoas próximas ou distantes, pessoas anônimas ou do nosso convívio. Tem sido difícil lidar com as emoções, que despertam um sentimento de impotência e ao mesmo tempo de revolta.

Para frear a contaminação, o momento exige esforço pessoal e coletivo. São muitos os desafios que precisam ser superados. O isolamento social tem nos forçado a olhar mais de perto para nosso próprio umbigo. O convívio de forma mais demorada com as nossas famílias nos levou a refletir sobre várias situações e surgiram muitos questionamentos: a compreensão sobre o que nos ameaça, o que atravessamos, o que nos desafia a tomar posições.

O vírus também veio nos mostrar o quão nós, seres humanos, somos vulneráveis, e não semideusas/es, como muitas vezes achamos que somos. Fez também reconhecer as ameaças que nos atingem: o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS); a ausência de coordenação no combate à pandemia; o descaso com a ciência e, ao mesmo tempo, o quanto ela é necessária; a falta de vacinas para toda população; a fome; o aumento da pobreza; o aumento da violência contra a mulher.

Mesmo assim, um presidente genocida segue delirando e fazendo de conta que está tudo normal – sua preocupação é com a economia – e usando este mesmo argumento continua destruindo o Estado brasileiro e vendendo as nossas riquezas. Suas atitudes de total desprezo à vida é algo inacreditável para um chefe de nação diante do caos que o país se encontra. Por outro lado, observo que os outros poderes que “nos representam”, excetuando-se algumas poucas vozes, seguem compactuando com o projeto de Jair Bolsonaro, usando a pandemia e todo o mau trazido por ela como moeda de troca para obtenção de benefícios e manutenção dos mandatos nas futuras eleições.

As celeumas envolvendo o presidente da República não são poucas. Briga com os governadores e prefeitos por discordar de medidas restritivas de circulação de pessoas. Divulgação de fake news sobre a existência de um tratamento precoce contra a Covid-19, inclusive com indicação de medicamentos já comprovados sem nenhuma eficácia contra o vírus. E a mais recente disputa, envolvendo os seus pares e até Supremo Tribunal Federal, sobre a abertura de templos religiosos, para cultos e missas, proibida pela maioria dos estados, para impedir a propagação do vírus.

Todas estas questões seriam hilárias se a situação do país não fosse tão séria. Elas são realmente um descaso total com a vida; um desrespeito às famílias que perderam entes queridos ou que têm algum na fila de espera por um leito de UTI; um desrespeito àqueles(as) que dependem da boa vontade de organizações e movimentos sociais, no Brasil todo, para receber um prato de comida ou uma cesta de alimentos.

A inércia de deputados e senadores me incomoda. Como não tomar uma atitude para frear esse desgoverno e tomar as rédeas do país que anseia por saídas?

Mas felizmente nem tudo tem sido medo e desespero. Neste tempo difícil, muitas lições estão sendo tiradas. A crise que se instalou neste período de pandemia nos faz reafirmar a importância de continuarmos acreditando e praticando a generosidade, a solidariedade, a sororidade entre nós mulheres, e a prática do cuidado entre as pessoas. Tudo isso resgata o nosso esperançar, como dizia Paulo Freire:

“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”

Paulo Freire

Esperançar é ter esperança e agir, e não só esperar. Temos a esperança de que o mundo pós-pandemia possa inaugurar uma nova maneira de relacionamento entre nós, seres humanos, e com a natureza. Temos esperança de que em breve tudo isso vai passar e as feridas deixadas pela pandemia servirão de referências para nos tornarmos pessoas melhores, mais resistentes e amorosas. Temos esperança que cada cidadã e cada cidadão do Brasil e do mundo possa se comprometer com o seu voto, entendendo que ele pode ser um instrumento de mudança e que não tem preço, mas pode ter consequências quando escolhemos mal quem vai nos representar.

*Izabel Santos é filósofa, especialista em Direitos Humanos e faz parte da Equipe de Coordenação do Centro das Mulheres do Cabo.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou Disse.