Rituais da morte e a morte da democracia
Ivanir dos Santos*
Em 11.05.2021
O Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) manifesta publicamente solidariedade aos familiares das 25 pessoas assassinadas na ação policial realizada na comunidade do Jacarezinho em 6 de maio de 2021, esperando que as autoridades, em particular o Ministério Público, exerça com rigor a sua função institucional.
A chacina ocorrida na comunidade do Jacarezinho, onde 1 policial e outras 24 pessoas foram mortas, aponta o estado de terror, o grau de bestialidade e subdesenvolvimento em que o Brasil está submerso. A prática de extermínio da gente pobre e negra que vive nas comunidades, não pode ser considerada como um fenômeno circunstancial, trata-se de um modo cultural do poder de polícia sob responsabilidade do Estado e de poderes policialescos, que na maioria dos casos é exercido por agentes do próprio Estado.
Vivemos em um imenso circo de banalização da morte: chacina de Vigário Geral (21 pessoas), de Acari (11 pessoas), da Candelária (8 pessoas), Nova Iguaçu (29 pessoas), todas no Rio de Janeiro. Mas a ação letal do Estado se espalha pelo Brasil inteiro, como ocorreu no presídio do Carandiru, em São Paulo (111 pessoas), no bairro do Cabula, na Bahia (12 pessoas). Fora da primeira página dos jornais corpos se espalham cotidianamente num espetáculo de horror que se traduz em sofrimento e amargura de pais, mães, irmãos e avós sujeitos de uma impotência crônica nas malhas da justiça.
Na cidade do Rio de Janeiro, considerada vitrine nacional, a situação é mais calamitosa. Desde tropas militares, associadas às distintas forças policiais para invadir o Complexo do Alemão, deixando um saldo de 19 mortos, até a eleição de um governador (cassado por corrupção), que tinha como uma das principais bandeiras durante da sua campanha eleitoral “dar tiro na cabecinha de bandido”.
Um poder de polícia, civil ou militar, que perde um policial e mata outras 24 pessoas em menos de 10 horas, não merece respeito de ninguém. Esta ação só pode traduzir um fato: o povo perdeu o controle do Estado e o estado de direito se perdeu da democracia.
*Ivanir dos Santos é babalawô e professor-doutor PPGHC/UFRJ e CEAP
Artigo publicado originalmente no portal Geledés.
Foto destaque: Geledés
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