Dragão do Mar: o jangadeiro que acelerou o fim da escravidão no Ceará

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Isabela Alves/Observatório do 3º Setor

Em 14.05.2021

O Ceará declarou a libertação de todos os escravizados quatro anos antes da Lei Áurea. Dragão do Mar e outros jangadeiros protagonizaram esta conquista

O Ceará foi a primeira província do país a abolir a escravidão. Satiro de Oliveira Dias, presidente da província, declarou a libertação de todos os escravizados do Ceará no dia 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea.

Personagens importantes realizaram movimentos sociais para que a ação se concretizasse e José Napoleão foi um exemplo disso. Nascido escravizado, ele se mudou para Fortaleza para trabalhar no porto carregando algodão.

Com o passar dos anos, ele economizou a sua remuneração, chegando até a passar fome, para conseguir comprar a sua liberdade e de outros escravizados. Posteriormente, ele se tornou o chefe dos capatazes.

Entre 1877 e 1879, houve uma grave seca na província, que arruinou a economia no Ceará. Os fazendeiros, então, passaram a vender escravizados para as regiões Sul e Sudeste do país.

Ao lado de Pedro Arthur de Vasconcellos, um jangadeiro que trabalhava no porto de Fortaleza, Napoleão pensou em uma estratégia para acabar com o tráfico de escravizados no país.

Eles montaram quatro frentes de ação, sendo que Napoleão liderou as três primeiras, e Francisco José do Nascimento, mais conhecido como Dragão do Mar, liderou a última.

Ilustração da Greve dos Jangadeiros, que completou 140 anos em 2021 (O Povo).

Além da pesca, os jangadeiros do porto eram os responsáveis por levar a mercadoria da praia para o navio. Por isso a ação deles foi fundamental para o fim da escravidão. A primeira ação ocorreu em 27 de janeiro de 1881, com a participação de mil pessoas.

“A ação foi organizada em uma época em que não havia conceito de greve. Eles cruzaram os braços e decidiram que não iam continuar com essa situação”, conta Licínio Miranda, historiador, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade da Flórida e doutorando em História na mesma instituição.

A quarta greve, que ocorreu em 31 de agosto de 1884, foi a maior das greves. No entanto, depois das três primeiras, Napoleão não podia mais continuar como líder, porque já era uma pessoa de idade. Ele sugeriu então que Francisco José do Nascimento tomasse a frente do movimento.

Trabalhando como Prático, ele era responsável pelo atracamento dos navios de todos os portos do Ceará.

Na última manifestação, 5 mil pessoas foram às ruas. Na época, a população aproximada de Fortaleza era de 25 mil pessoas, portanto, cerca de um quarto da população lutou em prol desta causa.

“A abolição foi um movimento brilhante, pois ele uniu conservadores e liberais. As pessoas que lutaram pelo fim da escravidão no Ceará eram de todas as classes sociais, eram homens e mulheres, de todas as idades. Os próprios escravizados foram agentes da sua história”, conta Miranda.

O historiador ainda ressalta que é mais comum ouvir relatos históricos de pessoas livres, porque elas deixaram suas memórias e registros, enquanto as histórias de escravizados como indivíduos são mais raras, já que eles não poderiam deixar nenhum registro por causa da condição a que estavam submetidos.

Essa foi a primeira vitória popular contra a escravidão bem-sucedida no Brasil. Pouco depois, a ação passou a apresentar sinais em todo o país, pois escravizados de outros lugares passaram a fugir para conseguir a sua liberdade no Ceará.

Além disso, o valor dos escravizados caiu e os jangadeiros passaram a convencer a população a comprar a liberdade deles. “É importante ressaltar que esse movimento foi pacífico. Posteriormente, passaram a ajudar os escravizados a fugir e despistar as autoridades”, diz.

Miranda afirma que até a própria sogra do Dragão do Mar participava das ações. Eles acabaram sendo processados em um dado momento, mas foram absolvidos por falta de provas.

Com o fim da escravidão na província, mais de 30 mil pessoas ganharam a liberdade e Dragão do Mar se tornou conhecido em todo o país, sendo até condecorado por Pedro II na época em que foi ao Rio de Janeiro.

Cartão postal com a jangada de Francisco José do Nascimento, em 1881 (Fortaleza em Fotos e Fatos).

Em 1913, Napoleão morreu com mais de 90 anos, mas não há informações sobre seus últimos 15 anos de vida. Dragão do Mar morreu em 5 de março de 1914 e foi enterrado no Cemitério São José Batista, em Fortaleza.

É importante ressaltar que, apesar da sua grande importância histórica, o túmulo do abolicionista só foi localizado em novembro de 2020 por Licínio, após 106 anos da sua morte.

“Os abolicionistas representam ideias com as quais todos nós podemos nos identificar, que são a igualdade e os direitos universais. Eles foram heróis e devem ser modelos de conduta para os brasileiros ainda hoje”, completa Miranda.

Imagem do túmulo do abolicionista Dragão do Mar, no Cemitério São João Batista, em Fortaleza (Diário do Nordeste).