O humor de Rosvita de Gandersheim
Jénerson Alves*
Em 28.05.2021
Ensinar com bom humor é uma das características mais aplaudidas por especialistas. Uma pedagoga medieval, Rosvita de Gandersheim, conhecia bem este princípio e aplicou-o em algumas de suas peças teatrais e poemas. Ela viveu por volta do ano 1000, mas seu trabalho foi encontrado no século XV, pelo humanista alemão Conrad Celtis, no convento de St. Emmeram, em Regensburg.
Certamente, a escritora bebeu na fonte de Terêncio, cujo estilo de comédia era mais sutil e helenizado que o de Plauto, que era um tanto vulgar e possuía um forte tom romano. Um pouco da comédia de Rosvita está principalmente nas cenas III e IV da obra ‘Dulcitius’, que narra o martírio das santas virgens Ágape, Quiônia e Irene. O episódio narra que o imperador Dulcício havia prendido as moças em uma dispensa, por elas se recusarem a negar a fé cristã. Ele decidiu, como forma de humilhá-las, “satisfazer o desejo de afagá-las”. Segue um trecho:
“IRENE Ha, ha! Vejam, o idiota enlouqueceu e está abraçando as panelas, pensando que somos nós!
ÁGAPE: O que ele está fazendo?
IRENE: Agora ele abraça e acaricia caldeirões e frigideiras e dá doces beijos nas panelas.
QUIÔNIA Ridículo!”
Além da comédia, observando-se a obra com um pouco mais de profundidade, percebe-se a oposição entre o sistema romano – politeísta, político e patriarcal – e a piedade das virgens – monoteísta, família, feminina. Ademais, elas representam aquelas que detêm o Conhecimento Verdadeiro; o imperador, aqueles que ignoram todo conhecimento.
Mesmo com bom humor, a peça ainda possui cenas dramáticas e comoventes, como na resposta de Irene ao chefe dos soldados, quando este ameaça submetê-la ao bordel, como ultraje: “Melhor o corpo agredido do que a alma manchada com idolatria”.
No trabalho de Rosvita, vê-se a luz da intelectualidade da Idade Média; a encarnação das Virtudes em cada nome das mártires – caridade (Ágape), pureza (Quiônia) e paz (Irene); e, ainda, o protagonismo feminino, muito antes de surgirem certos movimentos ideológicos. É possível tirar várias lições para os dias de hoje. Entre elas, a força do humor como instrumento pedagógico e a importância da fé para enfrentar os desafios da vida terrena.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: Hulton Archive/Getty Images