Que cheiro era aquele?

Por

Jénerson Alves*

Em 16.07.2021

No vuco-vuco da Feira da Sulanca, esbarrou em uma jovem senhora. Míope e apressado, pouco reparou no rosto dela. Como se estivesse no ‘modo automático’, pediu desculpas. Ouviu-a dizer um “tudo bem”, como que de longe. Seguiu seu caminho. No entanto, também foi seguido. Não por uma pessoa. O cheiro daquela mulher é que ficou impregnado em seu corpo.

Fragrância nostálgica, dava-lhe a impressão de já tê-la sentido antes… Quando? Onde? Como?… Que cheiro era aquele?

Passou o resto do dia sentindo esse cheiro e martelando essas indagações.

Voltou para casa, tomou banho, mas o aroma não saiu com a água. Jantou. Começou a assistir ao jornal. Desistiu logo na primeira parte. “Lasqueira de mundo cão”, murmurou. Entrou no quarto solitário. Ajoelhou-se. Rezou. Apagou a luz.

Não dormiu.

“Que cheiro era aquele?”

A pergunta insistia em inquietá-lo.

O cheiro da mulher tinha um sabor de saudade, de carinho, de passado…

Aos poucos, sua mente trouxe à memória a face de uma garota. Magrinha. Olhos verdes. Cabelos loiros. Usava a farda da Escola Estadual Professor Mário Sette. “Como era o nome dela, mesmo?”…

De repente, viu a si mesmo. Um adolescente tímido e franzino. Que era perdidamente apaixonado por aquela garota de olhos verdes. Todo dia, passava em frente a casa dela, só para vê-la sair em direção ao colégio. Contemplava cada detalhe do seu corpo. Os dedos esguios, os cabelos que bailavam ao vento, o sorriso que dava à vida, o nariz afilado, as pernas frágeis e meio tortas… O maior espetáculo que ele já vira…

Lembrou-se daquele São João, daquele show de Limão com Mel no Pátio de Eventos… Única vez que ‘ficou’ com ela… Foi ali que, agarrado no cangote dela, sentiu o seu cheiro, mais viciante do que qualquer narcótico. Beijos adocicados em meio aos afagos apertados no ritmo musical… No calor da dança, sua mão boba vadiava na cintura da garota. No palco, o cantor entoava “Toma conta de mim…”, como que declarando o pedido do coração dele para ela…

………

Foi quando se deu conta…

O cheiro que o perseguiu o dia inteiro era o cheiro dela, e trazia consigo reminiscências de um tempo que não volta, de um ‘eu’ que não mais existe. Ele não é mais o mesmo garoto. Ela é só um rosto desconhecido. Contudo, guardada naquela pasta escondida no guarda-roupa, ainda há uma cartinha por ele escrita e jamais entregue, jurando-lhe um amor eterno (que não resistiu ao tempo).

 Como era o nome dela, mesmo?

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.

Foto destaque: StockSnap/Pixabay