Refletindo a Água em nós

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 05.08.2021

Há uma frase de uma das inúmeras músicas do genial Chico César a qual eu gosto muito: “há dias que acordo tão pacífico, mas, há manhãs em que me atlantico”. Para além das referências geográficas esta música me remete a nossa dimensão líquida, àquele elemento fundamental que compõe e escorre em nosso corpo, a água. Sim, assim como a Terra, somos água. Quem nunca se sentiu feliz ao tomar um copo com água ou ao caminhar na chuva e molhar-se por inteiro?

A origem primordial da Água permanece sem uma explicação conclusiva. O que se sabe é que sem Água não há vida. Sem Água não há ar e sem ar, morremos. Na teoria evolucionista a vida começa na Água, no oceano primordial há pelo menos 3,5 bilhões de anos. Não é à toa que as pesquisas por novos planetas possíveis de terem sido ou serem habitados no futuro, envolvem a pergunta se já existiu ou se existe Água.

A Água está em absolutamente tudo que vemos e não vemos. De forma direta ou indireta, estamos rodeados por água e quase sempre, quando buscamos sossego, lazer, procuramos locais onde haja água: praias, piscinas, rios, cachoeiras, parques aquáticos etc. “O Espírito de Deus pairava sobre as águas (Gênesis 1,2)”.

A Água move os moinhos da história. Move a economia, a ecologia, a política e a espiritualidade. As religiões costumam ter ritos envolvendo a água onde a mesma simboliza purificação e transcendência. O batismo judaico e cristão, a lavagem das ladeiras do Senhor do Bonfim, em Salvador (BA) e Olinda (PE), as oferendas para Iemanjá, os banhos no rio Gangesn na Índia, e tantas outras experiências de fé envolvem diretamente a Água. A Água assume neste contexto, uma importância para além da sua realidade material enquanto recurso natural.

A Água é movimento e transformação. Heráclito de Éfeso (500 – 450 a.C), filósofo grego do período pré-socrático, já dizia: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. A Água em movimento representa a mudança, fluidez, metamorfose de estado físico sem, contudo, alterar sua composição, sua essência. Assim como a Água, sejamos a mudança constante sem perder aquilo que nos faz humano, sem abrir mão das relações necessárias de convivência coletiva e solidária.

A Água representa o Ser-sendo, o devir filosófico, o gerúndio verbal que nos põe em ação, rompendo a inércia e nos fazendo tomar a consciência de sermos Seres inacabados.

*Enildo Luiz Gouveia – Professor, teólogo, poeta, cantor, compositor e membro da Academia Cabense de Letras (ACL).