Os exuberantes cânions de Xingó
José Ambrósio dos Santos*
Em 09.10.2022
Entre a nascente do Rio São Francisco, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até a sua foz que separa os estados de Alagoas e Sergipe para desaguar no Oceano Atlântico, são 2.830 quilômetros margeados por povoados, cidades, vegetação variada, agricultura irrigada, belezas naturais, cânions e muita, muita história.
Já tive a oportunidade de contemplar o Velho Chico em sua passagem por várias cidades, a exemplo de Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande, Belém do São Francisco, Floresta, Itacuruba e Petrolândia, todas em Pernambuco. Um espetáculo e um forte aliado para o desenvolvimento econômico e social há séculos por onde passa e em especial em meio às caatingas do semiárido nordestino, sobretudo nos piores momentos de seca.
Até chegar às cidades de Piaçabuçu (AL) e Brejo Grande (SE) e se encontrar com o mar, o Velho Chico dá vida a 521 cidades dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco Alagoas e Sergipe. E a partir de seus imensos lagos movimenta as turbinas de nove Usinas Hidrelétricas: uma localizada em Três Marias e que pertence à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), e outras oito que pertencem à Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). São elas as usinas de Paulo Afonso I, II, III e IV, e Sobradinho, na Bahia, Luiz Gonzaga, em Pernambuco, Moxotó, em Alagoas e Xingó, em Sergipe.
O Rio da Integração Nacional também nos premia com um banho de história e cultura ao longo de todo o seu percurso, além das belezas naturais como os seus cânions. Na semana passada pude apreciar por mais tempo o Velho Chico na cidade de Piranhas (AL), já no baixo São Francisco. Um encanto, com seu casario histórico preservado, multicolorido e uma gente que pulsa a sua história marcada por momentos significativos da sua formação e por tragédias que hoje fazem parte do dia a dia da cidade, a exemplo da chacina da Grota do Angico, que matou Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, no dia 28 de julho de 1938.
O palco da emboscada fica na outra margem do rio, em terra sergipana, a poucos quilômetros, mas a participação de Piranhas para o fim do mais famoso cangaceiro nordestino foi decisiva. Foi de Piranhas que partiu a volante (Polícia Militar) do tenente João Bezerra para o último confronto com o Rei do Cangaço.
Hoje, o temido e famoso cangaceiro que chegou a ser comparado a Robin Hood e Jesse James como exemplos de nobres salteadores, vingadores ousados, defensores dos oprimidos, povoa o imaginário popular dos habitantes de Piranhas e de todo o país (herói/vilão, justiceiro/criminoso) e é um dos grandes atrativos da cidade considerada um dos principais destinos turísticos de Alagoas. De Piranhas, muitos turistas partem para fazer a Rota do Cangaço, que refaz o caminho percorrido pela volante do tenente João Bezerra.
Pela cidade de Piranhas, margeando o Centro Histórico, o Velho Chico parece correr devagar, sem forte correnteza, mas registra profundidade de mais de 35 metros. Bem perto, redemoinho ameaçador exige atenção e habilidade dos que guiam catamarãs, lanchas, voadeiras e outras pequenas embarcações.
Foi de Piranhas que segui para conhecer os cânions de Xingó. Um rápido deslocamento de cerca de 15 quilômetros por terra até um pequeno atracadouro no município de Canindé do São Francisco, já no lado sergipano. Considerado o 5º maior cânion navegável do mundo, surgiu com o represamento das águas do Velho Chico para a construção da Hidrelétrica de Xingó. São 60 quilômetros de altos paredões. Em alguns trechos a profundidade chega a atingir 150 metros. Um espetáculo.
No catamarã com capacidade para até 250 pessoas, deslumbramentos, curiosidades. Predominância de músicas tradicionais nordestinas e que remetem ao Velho Chico, a sua importância para a região e o seu esplendor. “…o rio São Francisco vai bater no meio do mar…”. Todos cantavam a música composta por Zé Dantas em 1955 e consagrada na voz do rei do Baião, Luiz Gonzaga. Quando foi escrita, há 67 anos, a maioria ou a totalidade dos 89 turistas e mesmo a tripulação do Catamarã Padre Cícero ainda não havia nascido, mas o coro era geral: “…o rio São Francisco vai bater no meio do mar…”. O que demonstra a força da cultura nordestina que tem em Gonzagão um dos seus maiores expoentes.
Em uma espécie de gruta em imenso paredão a imagem de São Francisco parece observar as embarcações, como a protegê-las, justamente em uma das áreas de maior profundidade. Por seu simbolismo, o catamarã para por alguns minutos para fotografias.
Depois de mais de meia hora de navegação o catamarã atraca em uma plataforma que oferece piscinas protegidas por telas de até 10 metros de profundidade. Há também piscinas para crianças. Da plataforma os turistas têm a opção de seguir em pequenos barcos para mais próximo dos paredões. Em alguns trechos é necessário atenção para não bater com a cabeça nos paredões que se agigantam com a aproximação. Em um dos paredões pode-se observar uma pequena escultura do padre Cícero, considerado santo por muitos nordestinos e cuja beatificação foi autorizada pelo Vaticano em junho deste ano.
*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.
Fotos: José Ambrósio dos Santos.
Um artigo muito bem elaborado e com uma descrição perfeita do que são os cânions e o Rio São Francisco. Lendo o texto,revivi minha viagem por lá.
Bacana, JÔ. Esse passeio pelos cânions de Xingó vale cada minuto. Espetáculo. Com certeza você também cantou a música do Gonzagão que exalta o esplendor e a grandeza do Velho Chico: “…o rio São Francisco vai bater no meio do mar…”