Cleto Campelo, Coluna Prestes, Lampião e Padre Cícero: o encontro interrompido

Por

Cláudio Castanha*

Em 06.09.2020

Como seria o Brasil de hoje se tivesse dado certo naquele 1926 o grande encontro entre Cleto Campelo e seus revolucionários com a Coluna Prestes e o bando de Lampião, em Juazeiro do Norte (CE), com a bênção do Padre Cícero?

Pesquisei essa história baseado em longas conversas que tive com o historiador gravataense Alberto Frederico Lins Caldas sobre sua tese de mestrado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 1979 – “Cleto Campelo – Um Drama Republicano – 1926”. Alberto Frederico faleceu em 2019 aos 90 anos de idade, Foi professor do Departamento de História da UFPE.

Cleto Campelo

Em janeiro de 1926, o jovem oficial Cleto Campelo, que estava exilado na Argentina, voltou ao seu Recife natal viajando clandestinamente, como foguista de navio.

Teria chegado aqui incumbido para uma grande missão, no momento em que a 1ª Divisão Revolucionária da Coluna Prestes, que cruzava o País protestando contra o governo do presidente Artur Bernardes, entrasse em Pernambuco, na cidade de Buíque, no sertão.

Lampião e Padre Cícero

Cleto Campelo deveria promover um levante popular em apoio à Coluna Prestes e seguir para Juazeiro do Norte, para um possível encontro com o bando de Lampião, na terra do Padre Cícero Romão Batista.

Para Luís Carlos Prestes – que dava nome à Coluna – a união de Cleto Campelo, a Coluna Prestes e o Bando de Lampião com a batuta do Padre Cícero seria a grande revolução brasileira.

A trama revolucionária foi denunciada ao comando da 7ª Região Militar, que reagiu e tentou sufocar, fazendo muitas prisões.

Ele, no entanto, conseguiu escapar. No dia 18 de fevereiro daquele ano de 1926, acompanhado do sargento Waldemar de Paula, o marinheiro Severino Cavalcanti e mais treze civis, Cleto Campelo tomou de assalto a Estação Ferroviária de Jaboatão, onde recebeu a adesão de quarenta ferroviários.

Montou, então, um trem de combate com quatro vagões e partiu com ele para Arcoverde – cidade vizinha a Buíque – até aonde ia a linha férrea, onde se encontraria com a Coluna Prestes, que estaria acampada na cidade de Buíque.

O comboio parou em Tapera (hoje Bonança) e em Vitória de Santo Antão, onde o tenente requisitou dinheiro, armas e munições na Prefeitura e na Coletoria Estadual. Outros ferroviários juntaram-se ao grupo.

Sua empreitada findou em Gravatá, a 80 km do Recife. Liderando um bando homens sem treinamento militar, o tenente foi morto com um tiro no peito, disparado acidentalmente por um deles, ao tentar tomar de assalto a cadeia local. Então, a maioria do grupo desertou.

Os trinta que prosseguiram, chefiados pelo sargento Waldemar de Paula, foram emboscados por jagunços do fazendeiro Chico Heráclito, de Limoeiro, rendidos e depois degolados.

As centenas de homens e seguidores da 1ª Divisão de Luiz Carlos Prestes, por sua vez, passaram quinze dias terríveis no alto sertão pernambucano, aguardando Cleto Campelo.  Terminaram por bater em retirada, atravessando o Rio São Francisco e se alojando no Estado da Bahia.

Em 21 meses, a Coluna Prestes percorreu cerca de 30.000 km, cruzando doze estados, tomando mais de quinhentas cidades ou povoações, e combatida por tropas do exército, polícias estaduais, jagunços e cangaceiros.

Conta-se que o cangaceiro Lampião, em determinado momento, teria recebido, armas, dinheiro e a patente de capitão para se juntar ao bando. Mas não chegou a fazê-lo.

Ao se dissolver, porém, em fevereiro de 1927, a Coluna permanecia invicta, com muito prestígio popular, e inspirou uma nova mobilização nacional em 1929, com a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República. A qual, por sua vez, deflagrou a Revolução de 1930 que, de fato, promoveu grandes reformas no País.

Nesse entretempo, numa estratégia de marketing político, a 1ª Divisão Revolucionária passou a ser chamada de “Coluna Prestes”, e o gaúcho Luís Carlos Prestes de “Cavaleiro da Esperança”, sintetizando numa única figura o heroísmo de centenas de brasileiros. Entre eles, o pernambucano Cleto Campelo, que hoje dá nome a ruas de várias cidades nordestinas.

Cleto da Costa Campelo Filho nasceu no Recife, em 1898. Seu pai era contador, sua mãe dona de casa e ele, aos 14 anos de idade, alistou-se no 4º Batalhão de Infantaria, de onde seguiu para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro.

E de lá voltou, em 1916, para servir como aspirante a oficial no 21º Batalhão de Caçadores. Já sua vida política começou em 1922, o ano do Centenário da Independência, que foi muito festivo — no Rio de Janeiro, por exemplo, montou-se uma grande feira internacional — mas também de muita agitação.

O fato é que a República, proclamada em 1889, mudara a forma de governo do Brasil, mas as mazelas sociais continuavam as mesmas do tempo do Império.

A Inglaterra e outros países ainda tratavam o Brasil como sendo uma colônia atrasada. Havia poucas indústrias por aqui. Os grandes proprietários rurais — em especial os cafeicultores paulistas — seguiam mandando e desmandando. O sistema eleitoral era totalmente fraudulento. E os trabalhadores e a classe média protestavam contra tudo isso.

Em São Paulo, por exemplo, no mês de fevereiro, artistas e intelectuais de vanguarda afirmaram o valor da cultura nacional na Semana de Arte Moderna.

No Rio de Janeiro, em março, sob a inspiração da Revolução Russa de 1917, foi fundado o Partido Comunista. E no historicamente rebelde Pernambuco, o segundo tenente Cleto Campelo agitava os quartéis, criticando o que considerava excessivo poder da família Pessoa de Queiroz na região.

Como castigo ele foi transferido, em maio, para o 6º Batalhão de Caçadores, sediado em Goiás. E na viagem, passando pelo Rio de Janeiro, concedeu uma explosiva entrevista ao jornal Correio da Manhã que lhe rendeu um mês de prisão na Fortaleza de Santa Cruz. Aí, o Brasil pegou fogo.

A insatisfação era muito grande. No segundo semestre de 1922, muitos militares se levantaram em armas em vários estados, pedindo voto secreto, ensino público, industrialização, direitos trabalhistas, liberdade de imprensa e o fim da corrupção, entre outras reformas.

Esse movimento — chamado de “Tenentismo”, embora nele também houvesse oficiais de outras patentes, inclusive um marechal — teve seu auge no Rio de Janeiro, em julho, quando 18 rebeldes cercados no Forte de Copacabana saíram às calçadas para enfrentar as tropas do governo.

Deles, a metade desertou, e dos restantes sobreviveram os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos e o soldado Manoel Ananias. Feridos, mas cobertos de glória. Então, uma violenta repressão se abateu sobre os “tenentes”, nas forças armadas.

Mesmo assim, dois anos depois se ergueu uma nova onda de protestos. E em julho de 1924 algumas guarnições do exército baseadas na capital paulista e parte da polícia de lá, com apoio da população civil, assumiram o controle da cidade, que foi severamente bombardeada pelo governo federal.

“Destrua-se São Paulo”, ordenou o presidente da época, Arthur Bernardes, “mas preserve-se o império da lei”.

Luís Carlos Prestes

Sem meios de resistir, o marechal Isidoro Dias Lopes, que comandava o levante, liderou, então, uma retirada de três mil homens em direção a Mato Grosso, onde sua coluna juntou-se a outra, vinda do Rio Grande do Sul, sob a chefia dos capitães Luis Carlos Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora. Juntas, elas formaram a 1ª Divisão Revolucionária, a Coluna Prestes, que percorreu o Brasil nos dois anos seguintes.

A morte de Cleto Campelo desfez os planos de Luís Carlos Prestes em terras pernambucanas e cearenses. A Coluna Prestes seguiu para as margens do rio São Francisco depois de saber que o Padre Cícero – que era deputado federal nomeado – teria recebido pressão e ordens do Governo Federal para desistir da empreitada. E a história poderia ter tomado outro rumo.

*Claudio Castanha é jornalista. Foi repórter do Jornal do Commercio e do Diario de Pernambuco. Hoje mora em Gravatá e tem programa de rádio diário na Gravatá FM – Arroxa o Nó, jornalismo e entrevistas, de segunda à sexta, das 19h às 21h.

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