É preciso criar um Simples ambiental

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Seria um pequeno passo para o Estado, mas um grande passo para as micro e pequenas empresas e para o país

Por Marcos Abreu Torres*

As micro e pequenas empresas (MPEs) gozam de proteção jurídica destacada: a Constituição (artigo 179) e o Estatuto das MPEs (Lei Complementar 123/2003) estabelecem que toda nova obrigação que as atinja deverá prever tratamento diferenciado, simplificado e favorecido.

As micro e pequenas não possuem as mesmas estruturas e condições das grandes empresas para competir no mercado. Possuem poucos ativos e capital de giro e sofrem com dificuldades no acesso ao crédito, baixo nível de qualificação de pessoal (principalmente no nível gerencial), elevado grau de informalidade, entre outras dificuldades.

Apesar dos obstáculos, sua importância na economia é refletida nos seguintes números: constituem 99% do total de empresas registradas no país, são responsáveis por 52% dos empregos formais e geram 27% do PIB.

Salvo algumas iniciativas pontuais, a legislação ambiental deixa a desejar no que se refere ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às MPEs. Em análise que fiz das cem principais normas ambientais aprovadas pela União (leis, decretos, resoluções do Conama e instruções normativas do Ibama e do ICMBio), apenas uma delas foi elaborada especialmente para a realidade dessas empresas: trata-se da Instrução Normativa Ibama n° 8/2014, estabelecendo critérios para a fiscalização orientadora.

Dez das cem normas analisadas preveem algum grau de tratamento específico para essas empresas. Treze, apesar de não direcionar nenhuma regra específica às MPEs, contêm comandos que de algum modo podem lhes conferir algum tratamento distinto, a depender do caso concreto (são exemplos a previsão de licenciamentos ambientais simplificados com base nas características da atividade ou empreendimento, conforme determina a Resolução Conama nº 237/1997). A maior parte das normas ambientais analisadas (76) não prevê nada de especial às MPEs.

Uma possível explicação para essa escassez é que a classificação prevista no Estatuto das MPEs leva em consideração apenas o aspecto financeiro “receita bruta anual”. Embora empresas lucrativas tenham maiores oportunidades de ser ambientalmente eficientes, a receita de uma empresa não necessariamente possui relação direta com seu desempenho ambiental: uma micro ou pequena pode exercer atividades com alto potencial poluidor, enquanto empresas altamente lucrativas podem desempenhar atividades com baixo potencial poluidor.

Para a legislação ambiental, importa mais diferenciar empresas com base em outros aspectos, como o tipo de atividade desenvolvida, o uso de recursos naturais, sua localização, a estrutura física, a tecnologia utilizada, a adesão a programas voluntários de gestão ambiental etc.

Pode não ser viável fazer ajustes nas obrigações legais materiais, a exemplo das normas que estabelecem padrões de qualidade ambiental (fixam índices máximos de emissões, captações ou lançamentos) e das normas de design (orientam como determinado produto pode ser fabricado e colocado no mercado). É que o potencial poluidor de uma empresa nem sempre será proporcional ao seu porte.

Por isso, o esforço maior deve concentrar-se na previsão de tratamento diferenciado, simplificado e favorecido no campo das obrigações procedimentais, ou assessórias: rito do licenciamento, prazos, custos e isenções, prioridades e preferências, valores de multas, entre outros, podendo, inclusive, ser feito, na maior parte das vezes, por normas de caráter infralegal.

Esse desafio não é só da União. Estados e Municípios também devem estar atentos à sustentabilidade das MPEs. Padrões nacionais podem ser amigáveis para grandes empresas, que atuam em mais de uma região, mas padrões específicos, adaptados às realidades locais, podem ser melhor para as MPEs. Os padrões nacionais geralmente são altos e a uniformidade tende a extinguir as iniciativas locais – em condições de igualdade, as menores são incapazes de competir com as grandes, que, devido à produção em escala, conseguem operar com custos mais baixos.

As MPEs se encaixam como uma luva no desenvolvimento sustentável: são imprescindíveis para a economia e a inclusão social – como já demonstrado nos números de renda e emprego que geram –, e do ponto de vista ambiental também apresentam números importantes. Pesquisas do Sebrae (Engajamento dos Pequenos Negócios Brasileiros em Sustentabilidade e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, 2018) indicam que 93% dos micro e pequenos empresários estão comprometidos com a sustentabilidade e 94% acreditam que a sustentabilidade é uma forte alavanca para inovação e novos negócios.

Ademais, sua capilaridade e a velocidade de produção e adaptabilidade (com estruturas mais enxutas e poucos níveis hierárquicos) podem ser fatores favoráveis para uma transição bem sucedida aos novos paradigmas da indústria 4.0 e da economia circular.

As MPEs necessitam de um Simples ambiental (inspirado no exitoso programa tributário), que de fato calibre a legislação ambiental à realidade da maioria das empresas existentes no país. É possível fazer isso reformando, principalmente, as obrigações acessórias, gerando efeitos positivos econômicos e sociais, sem comprometer a qualidade do meio ambiente.

Seria um pequeno passo para o Estado, mas um grande passo para as micro e pequenas empresas e para o país.

*Marcos Abreu Torres é advogado e autor de “Conflito de Normas Ambientais na Federação”.

Publicado na Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2020.