O mapa da empatia
Vera Lúcia Braga de Moura*
Em 01.10.2020
Empatia é entender e acolher a necessidade do outro. Será se estamos fazendo o movimento de aceitar o outro nas suas singularidades? Procurar ver o mundo como o outro habita, enxergar seus gostos e desgostos, entender as suas necessidades, especificidades, dificuldades, alegrias e desejos significa enxergar com o coração.
A empatia ensina que devemos fazer aos outros e tratá-los como eles gostariam de ser tratados. Como seres diferentes de nós, cada ser humano tem o seu próprio gosto, forma de sentir e enxergar o mundo. Cada pessoa tem suas particularidades e diferenças. Considerar o contexto de vida da pessoa, suas crenças, seus valores, sentimentos é fundamental para se estabelecer relações amistosas e empáticas.
No livro O Poder da Empatia, do historiador Roman Krznaric (2015), a empatia é vista na perspectiva de provocar uma revolução nas relações humanas, podendo promover mudanças sociais e, também, nas nossas vidas. Krznaric (2015, p. 10), citando George Bernard Shaw, diz: “Não faça aos outros o que gostaria que eles lhe fizessem – eles podem ter gostos diferentes dos nossos.” A empatia se refere a compreender a outra pessoa a partir do seu ponto de vista, da sua forma de enxergar o mundo, entender os seus gostos e modo de ser. Estudiosos, como neurologistas, psicólogos, biólogos, filósofos, entre outros, vêm se debruçando sobre a capacidade empática dos seres humanos e identificam nessa incursão que existe um viés egoísta e individualista em cada pessoa, mas também muito fortemente observa-se uma capacidade empática inerente a cada ser humano, permitindo enxergar a outra pessoa a partir de sua perspectiva e visão de mundo.
Nessa direção, o pensador Krznaric ressalta que pensar em si deve implicar, também, pensar no outro, pois pensar em si de forma egoísta não promove um bem-estar humano. Nas suas pesquisas de 12 anos, o historiador identificou um forte lado empático nas pessoas. Porém, esses circuitos precisam ser ativados. Descobriu, também, que existem pessoas que têm uma tendência maior para a empatia e que elas têm algo em comum. Essas pessoas com mais capacidades para entender a outra pessoa se esforçam para cultivar um conjunto de atitudes e hábitos diários que estimulam os circuitos empáticos em seus cérebros, permitindo compreender melhor os outros na sua forma como veem o mundo.
Assim, as pessoas com mais habilidade de empatia cultivam seis hábitos em comum e a ideia é que nos esforcemos para desenvolver essas competências visando compreender os outros nos seus universos e no seu jeito de ser e estar no mundo. No hábito número 1, as pessoas extremamente empáticas reconhecem que a empatia está no centro da natureza humana e pode ser expandida ao longo de suas vidas. Hábito número 2 faz um esforço consciente para colocar-se no lugar das outras pessoas, também, nas pessoas que não têm apreço; reconhece suas humanidades, individualidades e perspectivas. Hábito número 3 busca conhecer vidas e culturas diferentes das suas por meio da empatia e cooperação social. Hábito número 4 tem um interesse e curiosidade por entender pessoas desconhecidas, cultiva a habilidade pela escuta qualificada e se dispõe a desnudar-se das máscaras emocionais, procurando ser uma pessoa mais autêntica, expressa melhor os seus sentimentos. Hábito número 5 procura transportar-se, pela imaginação, para as mentes de outras pessoas com a ajuda da arte, da literatura, do cinema e das redes sociais na internet. Hábito número 6 se debruça em gerar empatia numa dimensão ampla, em rede, para promover mudança social e estender suas habilidades empáticas para abraçar a natureza.
É sabido que a maioria da população tem a capacidade empática, embora nem sempre utilize essas habilidades. Segundo o psicólogo Simon Baron-Cohen, como indica Krznaric, uma pequena parcela de pessoas apresenta “zero grau de empatia”. Entre essas pessoas estão os psicopatas, que têm a capacidade cognitiva de entender a mente do outro, mas não estabelecem ligação emocional com elas e pessoas com espectro do autismo, como síndrome de Asperger, que sentem dificuldades em estabelecer relações empáticas, embora nesse caso não possamos generalizar. Então, fazer o exercício empático é muito importante para desenvolvermos relações interpessoais respeitosas e cuidadosas, bem como estabelecer convivências saudáveis e acolhedoras. A exclusão e hostilidade adoecem e a amorosidade e delicadeza são curativas. Imaginar como o outro vive, sensibilizar-se com suas dificuldades, fragilidades, vulnerabilidades e limites são atitudes de muita empatia e solidariedade. Aprender a enxergar o outro sem julgamentos e nem culpabilizações são ações pedagógicas e respeitosas, pois incide em aceitar a outra pessoa nas suas singularidades e naquilo que o outro conseguiu alcançar naquele momento.
Rotular a pessoa é uma forma de congelá-la e estigmatizá-la, pois em determinado momento a pessoa pode ter agido de forma equivocada, falha, mas não justifica que cancelemos alguém por isso ou que a limitemos e determinemos o que ela representa por um deslize ou um erro cometido. Precisamos nos lembrar que somos todos aprendizes na seara da vida. Nós mudamos a cada dia. As leituras, experiências, vivências, podem alterar a nossa forma de enxergar a vida e nossas relações de forma que limitar a pessoa com julgamentos e definições é uma forma arbitrária e não producente.
É interessante pensarmos a empatia não como algo individual, mas como um esforço que tem reflexos benéficos na coletividade, que proporciona bem-estar para a comunidade humana. É importante considerar a importância do movimento pessoal visando contribuir efetivamente com a mudança social, por isso é necessário que ampliemos nosso olhar e entendamos que existem vidas para além de nós mesmos e dos grupos dos quais fazemos parte. Esse olhar dimensional, reconhecendo as nossas humanidades, interdependências, e considerando que todos precisam fazer o enfrentamento às múltiplas violências que assolam a nossa sociedade, e ferem as pessoas, é fundamental para o entendimento humano e a empatia pode contribuir com um novo caminhar.
A Comunicação empática, segundo Stephen Covey, citado por Krznaric, é uma das chaves para se estabelecer relações interpessoais melhores. Quando introjetamos a empatia como guia das nossas relações, passamos a enxergar o outro de forma mais ampla, solidária, acolhedora e cuidadosa. A empatia nos ensina, também, a administrar melhor as emoções perturbadoras, como por exemplo, a raiva. Essa nos deixa atônitos e perdemos um pouco a alteridade e a noção de que a outra pessoa, também, está vencendo seus desafios cotidianos e assim como cada um de nós está buscando bem-estar e querendo ser feliz. É preciso, sobretudo, considerar a noção de felicidade como um esforço e ideal coletivo. A empatia pode nos ensinar a sermos seres humanos melhores e estabelecer essa habilidade como filosofia de vida. Ela nos mostra com mais lucidez que todos temos gostos e necessidades diferentes e que nós não podemos ser padrão para ninguém, a não ser para nós mesmos. E, mesmo assim, é preciso entender que precisamos para um bem viver fazer concessões e negociações para enfrentar empaticamente o movimento da vida.
É importante ressaltarmos que existem pessoas que nasceram com mais aptidão para a empatia, como afirmam muitos neurologistas, biólogos, psicólogos e filósofos. Assim como a musicalidade é uma habilidade muito nata, também, pode-se aprimorar esse gosto musical. Segundo muitos estudiosos, as pessoas nascem com o sentimento empático umas mais do que outras, embora a empatia possa ser aprendida e aprimorada, tendo em vista a plasticidade do cérebro. Os estudos apontam que a empatia envolve várias dimensões, isto é, ela depende de conexões neuronais, assim como sofre influências do ambiente e das interações sociais. Nessa perspectiva, os processos neurais, segundo as pesquisas, podem ser alterados por meio da estimulação social e emocional em qualquer fase da vida. As competências socioemocionais podem contribuir efetivamente para relações mais empáticas. As crianças podem ser estimuladas desde cedo para acolher, respeitar e entender o sentimento do outro. Assim, a empatia pode ser estimulada e desenvolvida ao longo da vida.
Algumas dicas como ficar em silêncio alguns momentos diários, além de desintoxicar a mente de tantas informações, acalma, ensina a se escutar e pode favorecer a escuta do outro. Se acolher e se compreender contribui também para a compreensão do outro, bem como, observar as nossas relações, conectar-se com a vida, com seu entorno e com as outras pessoas, olhar atenciosamente, escutar com o coração, ser amoroso e gentil. Escutar mais, não julgar e amar são possibilidades para convivências humanistas e saudáveis.
Podemos, nessa direção, aprender com outras culturas, com outros grupos humanos formas mais empáticas que favorecerão a melhores convivências. A filosofia africana, que traz o conceito de Ubuntu, por exemplo, que nutre o conceito de humanidade em sua essência, aborda a importância das alianças e dos relacionamentos entre as pessoas. Uma pessoa que reconhece a expressão Ubuntu tem a consciência de que é afetada quando outros seres humanos são humilhados e oprimidos. Na Língua Portuguesa, o Ubuntu significaria “humanidade para com os outros”. A filosofia Ubuntu traz no seu bojo a ideia de que “eu sou porque nós somos”. Como diz Dirk Louw , doutor em filosofia, “Eu sou humano e nossa natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia.” Isso tudo pode ser traduzido por amorosidade. O Ubuntu é um código de ética que ressalta que “ser- com- os- outros” deve ser tudo, deve explicar a natureza humana. O bispo africano Desmond Tutu diz que “uma pessoa com Ubuntu é acolhedora, hospitaleira, generosa, disposta a compartilhar. A qualidade do Ubuntu dá às pessoas a resiliência, permitindo-as sobreviver e emergir humanas, apesar de todos os esforços para desumanizá-las.”
Assim, o Ubuntu e outras experiências podem contribuir com o movimento empático de aprendermos a ser melhor a cada dia em busca de um ideal comum, que englobe todos, que é o bem-estar humano.
Vera Lúcia Braga de Moura é professora e doutora em História. Gerente de Políticas Educacionais de Educação Inclusiva, Direitos Humanos e Cidadania. SEDE/Secretaria de Educação e Esportes do Estado de Pernambuco. Escreve às quintas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Que sejamos todos Ubuntu! Parabens, Vera!
Obrigada Maelda! Sim Ubuntu é uma filosofia de vida e nosso desejo é que construamos uma sociedade que preze pelo bem estar humanos! Abraços
Maravilhoso!
Fiz uma viagem dentro do meu EU, com leveza e suavidade compreendendo e concebendo os pontos capitais da empatia. Parabéns professora Vera Braga e muito obrigado pelos ensinamentos valorosos. 👏👏🤲🤝🤝🙏
Vera, outra contribuição necessária para tempos tão antagônicos nas relações humanas, políticas e sociais. Não devemos perder a esperança e lutar por uma empatia humanizada.
Sejamos, cada vez mais, empáticos, porque a sociedade contraditória e antagônica nos coloca diante de posturas de desumanização. Vera, parabéns por trazer esse tema para reflexão.
Vera querida, texto muito interessante!!!! Acredito q ter empatia é o mínimo q devemos fazer pelos outros, onde passamos a entender q n somos o centro do universo e q todos são igualmente importantes. Mas …..seguimos aprendendo SEMPRE😘!!!!!
Roberta , muito agradecida pelo
seu comentário ! Muito interessante! Assertivo! Abraço!
Fernando! Muito obrigada! Vc com sua maravilhosa interlocução nos enche de esperança! Obrigada!