Políticas públicas (parte final)
Fernando Silva*
Em 12.12.2020
Os dois primeiros artigos abordaram as definições jurídicas das Políticas Públicas (sociais e econômicas), apresentaram uma compreensão quanto as corresponsabilidades do Poder Público e a indispensável participação democrática de organizações não estatais nos conselhos de direitos e de políticas públicas para a formulação, deliberação e controle de ações destinadas à efetivação de direitos humanos. E deixaram claro que a realização de políticas sociais guarda relação direta com os orçamentos públicos federal, estaduais, Distrito Federal e municipais. As referências centrais estão consubstanciadas na Constituição Federal (CF, 1988) e três estatutos: da Criança e do Adolescente, o da Igualdade Racial e o da Cidade.
O propósito do presente artigo é apresentar três definições conceituais extraídas dos livros: (01) Políticas Públicas: seus ciclos e subsistemas – uma abordagem integral; e (02) Políticas Públicas[2] e promover uma correlação com ações do Poder Público e da sociedade civil.
Do primeiro livro são extraídas duas definições. A primeira, de que políticas públicas correspondem a “tudo que um governo decide fazer ou deixar de fazer” (DYE, 1972). É possível fazer algumas ponderações quanto aos limites e alcance dessa definição. Ela não tem consonância com o demonstrado nos artigos anteriores. A centralidade é no governo para decidir o que fazer ou deixar de fazer. Não contempla a participação democrática nas etapas de formulação, deliberação e controle. Não traz a compreensão ampliada de Poder Público (Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública). Fica uma problematização: será que as práticas governamentais brasileiras estão em consonância com o mencionado conceito? Uma pista para a reflexão e possível resposta está no comportamento governamental quanto a vacinação da população brasileira para conter a Covid–19.
A título de exemplo, em oposição a definição é possível lembrar que o valor inicial proposto pelo Governo Federal para o auxílio emergencial era de R$ 200,00. Porém, o Poder Legislativo ampliou para R$ 600,00. Portanto, se não houvesse a decisão do Congresso Nacional, o valor praticado seria aquele originalmente, apresentado pelo Presidente Jair Bolsonaro, que depois reduziu para R$ 300,00, a serem pagos até 31/12/2020. No momento em que o número de casos e de mortes decorrentes da Covid–19 aumentam, é preciso que o Governo e o Parlamento federais assumam outra postura para a instituição de uma renda básica cidadã, permanente, essencial para a subsistência humana.
A segunda definição é de que políticas públicas são “um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos e que dizem respeito à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-los, dentro de uma situação específica em que o alvo dessas decisões estaria, em princípio, ao alcance desses atores” (JENKINS, 1978).
É possível apontar algumas diferenças entre as duas definições dos anos 1970. A segunda definição abre a possibilidade para um grupo de atores políticos participarem das decisões, seleção de objetivos e os meios para alcançá-los. Em outros termos, traz novas dimensões que representam avanços, mas não são suficientes para a radicalização da democracia, que não se restringe a dimensão política.
A terceira definição é de que as políticas públicas são oriundas da “intervenção do Estado no ordenamento da sociedade por meio de ações jurídicas, sociais e administrativas, sendo que as ações da administração pública se reportam também às atividades de auxílio imediato no exercício do governo” (BOBBIO, 1998) e se encontra no segundo livro indicado.
A definição do pensador italiano é mais rica e complexa e merece ser comentada. Coloca a responsabilidade no Estado no ordenamento da sociedade. Aqui é possível trazer uma compreensão de Estado que não se reduz aos governos no exercício das suas atribuições. Nesta perspectiva, importa trazer à tona a existência dos diversos conselhos de políticas sociais (educação, saúde, assistência social, esporte, segurança pública) e de direitos (juventude, mulher, crianças e adolescentes, pessoas com deficiências, idosas, igualdade racial, LGBTQIA+). E que os mencionados conselhos devem ser permanentes e não atacados conforme o Decreto N.º 9.759/2019 do Presidente Jair Bolsonaro.
A título de contribuição final, ilustra-se as disputas em torno das políticas públicas (sociais, orçamentárias e fiscal). Por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que no relatório da ministra Eliana Calmon reconhece a competência do “Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Santos, que baixou a Resolução Normativa 04/97, deliberando sobre a necessidade de criação de programas governamentais de atendimento previstos no ECA, notadamente para atendimento a alcoólatras e toxicômanos.” E mais, “que o Prefeito, na elaboração das futuras leis orçamentárias, destine recursos suficientes para a execução de projeto destinado ao tratamento da drogadição de crianças, adolescentes e respectivos pais.”
É primordial a revogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para a efetivação das políticas sociais. A DRU é um mecanismo criado no Governo de Fernando Henrique Cardoso e mantido por todos os governos federais subsequentes. Para se ter uma ideia, estudo do INESC “O Brasil com baixa imunidade: balanço do orçamento geral da união 2019” constata que R$ 92 bilhões deixaram de ir para a Educação e a Saúde no ano de 2019, pois o Governo Federal fica desobrigado: “… desvincula 30% das receitas das contribuições sociais, das contribuições de domínio econômico e das taxas da União.”
O estudo DIREITOS VALEM MAIS – Coalizão pelo fim da Emenda Constitucional 95 (apresentado por organizações qualificadas como Amicus Curiae à ministra Rosa Weber e aos demais ministros do STF) é taxativo quando afirma que em decorrência da Emenda Constitucional 95/2016 os investimentos na área social caminharão em marcha à ré no Brasil. E traz indicador preocupante. Os investimentos sociais, em 2015, alcançaram 19,8% do Produto Interno Bruto (PIB). A previsão para 2026 é recuar para 15,5% do PIB (percentual de 1997) e ficará em 12,5% do PIB no ano de 2036. O cenário futuro é desanimador com a manutenção da DRU e da Emenda Constituição 95/2016.
O conjunto dos três artigos certamente não esgotam as diferentes interpretações jurídicas e conceituais e nem as disputas políticas e ideológicas sobre o tema. Mas, provavelmente, alimentam debates, posicionamentos e ações no campo da incidência política, que é inerente à existência e às práticas humanas, seja por ação ou omissão. Em outras palavras, não existe neutralidade social e nem política. A omissão é um tipo de participação que colabora com a existência e permanência de determinadas situações de exclusões socioeconômica, cultural e política.
Na efetivação de políticas públicas é essencial o conhecimento e a capacidade técnica e política. Mas, não só. É preciso assumir posicionamentos numa sociedade com as marcas perversas das desigualdades. É fundamental ser anticapitalista. Contudo, não é suficiente. É primordial também ser antirracista, antipatriarcal, antiadultocêntrico, ‘antilgbtfóbico’ e antinegacionista.
*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. Escreve quinzenalmente, aos sábados.jfnando.silva@gmail.com
[2] O primeiro é da Ed. Elsevier, 2013, de Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl e o segundo de Marta Maria Assumpção Rodrigues, Publifolha, 2011.
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Foto destaque: Medium
Muito bem contextualizado, no atual cenário político e social!!!
Obrigado pela leitura e comentário. Vamos à luta.
Fernando, você como sempre trazendo textos esclarecedores e necessários para a compreensão conceitual da política pública, bem como, da sua efetivação. Parabéns! Muito bom o seu artigo.
Vera,
As políticas públicas (sociais e econômicas) merecem nossa total atenção. Precisamos continuar na luta, sempre.