O Cabo segue dormindo nos braços de Morfeu
Jairo Lima*
Em 05.07.2021
Pelo andar da carruagem, a atual administração, ao menos até agora, passados já seis meses, parece ser desprovida de criatividade, de iniciativas e ousadias, levando-nos a crer que será uma gestão reduzida às demandas, ou seja, de apenas apagar fumaça onde houver sinais evidentes de incêndios. Tomara esteja errado, meu Deus, tomara.
Nenhuma das 5.570 cidades brasileiras traz características e potenciais para o desenvolvimento econômico, social e humano como o Cabo de Santo Agostinho (PE), mas, lamentavelmente, tanta pujança latente não se traduz em melhor qualidade de vida para a população há um bom tempo. O Cabo é um município naturalmente vocacionado para ser grande, considerando sua geografia, seu clima, solo, suas aptidões e sua história de ontem e de hoje. Entretanto, adormece profundamente nos braços de Morfeu.
Vejamos: temos dois polos industriais, o antigo, mais concentrado na região sede, e o de Suape; somos um grande polo logístico em consolidação; temos uma histórica, vasta, fértil e produtiva zona rural; nosso comercio e polo médico vão além das fronteiras do município, com potencial regional, sinalizando principalmente para a região da Mata Sul; a arte e os artistas estão em todas as ladeiras da cidade; fomos agraciados com nove belíssimas praias; temos um grande capítulo da história mundial.
Ufa, cansou? Tem mais! Arrecadamos anualmente um bilhão de reais, isso mesmo, falei um bilhão de reais e seremos muito em breve um dos grandes destinos do turismo religioso, que movimenta mais de 330 milhões de pessoas no mundo, dado o erguimento no distrito de Jussaral, pela instituição Obra de Maria – ligada à Igreja Católica – de uma escultura de Nossa Senhora, projetada para ser maior até do que a do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.
Portanto, o que o Cabo tem, representa e significa, o faz um município potencialmente diferenciado. Mas, por que estamos, então, tão pobres que só temos dinheiro? Por que, até agora, a cidade que aumenta a sua receita a cada ano não consegue oferecer uma melhor qualidade de vida para sua população?
Caso o poeta Alvaro Batista ainda estivesse entre nós, o cordel O Cabo e sua contradições seria atualizado, receberia mais estrofes na sua estrutura, revelando uma cidade que perde oportunidades, que aumenta ainda mais o seu processo de favelização, de violência, desemprego, que cria bolsões de pobreza e que caminha em constante decadência social, cultural, ambiental e política. E como se tudo isso não bastasse, chama a atenção do País inteiro por vários escândalos de corrupção e desvio do erário.
Afora a percepção clara desta realidade, é possível tentarmos fazer uma análise razoável em cima desses fatos concretos que colocam o Cabo numa posição vexatória, na busca de explicações razoáveis para entendermos, o porquê desse rico município andar tão pobre e carente.
Sem deixar de considerar as qualidades inerentes a um bom gestor, dentre elas a honestidade – condição sine qua non para o sucesso de uma gestão – uma das razões que surge mais claramente nessa passagem analítica está na qualidade do modelo gerencial do município, que certamente o faz entrar numa espiral de constante declínio. Após o governo do ex-prefeito José Alberto de Lima (1979/1982) tivemos até os primeiros ensaios de uma gestão pública digamos, mais avançada e moderna. Foi um modelo gerencial diferenciado, com propósitos até ousados. Tenho 33 anos no serviço público municipal e, confesso, acreditei que dali pra frente, como testemunha in-loco, seria tudo diferente e perene. Mas, nada foi sustentável, tudo se resumiu a uma ação apenas intergovernamental, e como tudo aquilo de que o povo não se apropria, a coisa foi degringolando até perder vitalidade.
Estamos em 2021 e por incrível que possa parecer, mesmo amorfo e agonizando, ainda adotamos exatamente o idêntico modelo de gestão, isso mesmo, passados mais de 30 anos a cidade ainda é gestada sob um mesmo rascunho que serviu na década de 80 do século passado. É um verdadeiro negacionismo da dinâmica do tempo e das transformações que ele causa. Estamos sendo ainda regidos por um modelo obsoleto, ultrapassado, que já não dá mais respostas às demandas do povo. Será que isto não está claro ou temos que literalmente escrever?
Daí, como nada se alterou, mesmo após várias outras gestões, é mais que pertinente citarmos o filosófo e estrategista Maquiável, que já alertava sobre a inércia aconselhando no século 16, o seguinte: Se os tempos mudam e os comportamentos não se alteram, então será a ruína. É o óbvio do óbvio
Há duas características, duas ações que estudamos num curso de gestão pública, que são imprescindíveis ao gestores que querem acertar governando, que são Governabilidade e Governança, que hoje são aplicadas na gestão moderna das cidades, dando mais eficiência e eficácia às políticas e ações de governo. Uma não é mais nem menos importante que a outra; precisam e devem andar com iguais forças. Mas, ao que parece, em se tratando da nossa cidade ainda de cultura política desprovida de acuidade para coisas nobres – ou que apenas tem olhos para interesses de grupos e particulares – predomina uma miopia administrativa-gerencial, sendo a principal suspeita da causa do desequilíbrio na balança governamental e fazendo com que o Cabo adormeça em sono de contos de fadas, com o cavalo selado passando para lá e para cá, enquanto o mundo impávido impõe novos desafios.
A governabilidade diz respeito às condições políticas, à legitimidade governamental, perpassando por pactos partidários, apoios e parcerias. Até ai tudo bem, tudo normal, mas no nosso Cabo de Santo Agostinho, a governabilidade foi a obsessão de todos, nas últimas décadas, ao ponto de até hoje ela ser executada ferozmente em detrimento da governança (que falaremos mais na frente).
No Cabo, a primeira ação de um gestor é a cooptação, a busca do atrelamento de quem ousa questionar, a mordaça e, portanto, a conquista do silêncio e até a rendição dos movimentos sociais, da oposição, da Câmara de Vereadores…Ou seja, não importa se a governança irá ajudar a trazer uma melhor qualidade de vida para o povo. Basta (ao gestor) o controle sociopolítico da cidade que apenas se sacia apenas com a governabilidade. Em nome do poder, o uso da máquina administrativa justifica qualquer caminho que sirva como instrumento para neutralizar a participação popular, de fato e de direito.
O caciquismo sempre predominou.
Mais uma vez estamos vendo isso se repetir. O atual prefeito, Keko do Armazém, colocou uma mordaça nos 21 vereadores, isso mesmo, em todos. Particularmente julgo isso uma grande ingenuidade de ambas as partes, dos dois poderes. Ter oposição é importante para qualquer gestão. A oposição vê caminhos que só ela é capaz de identificar e, assim, vai servindo de bússola e termômetro positivos, a não ser que a gestão não queira que vejam TUDOlé. Além do mais, cabe ao Poder Legislativo, acompanhar e monitorar as ações do governo, a fiscalização dos recursos públicos e a garantia da transparência em todos os atos administrativos. Sua função legítima e original não é ser um puxadinho do Poder Executivo. Mas, quem nesse momento está cumprindo esse papel republicano?
Quem tiver projeto para a Casa Vicente Mendes (sede do Poder Legislativo Municipal) em 2024, mantenha-se firme e forte. Assim como nas duas últimas eleições, teremos certamente grande renovação na Câmara Municipal. Pois, concordo com Dom Helder Câmara quando disse: “Vocês pensam que o povo não pensa, o povo pensa”.
Sobre a governança, ela cuida das ferramentas de gestão, do zelo pela qualidade técnica dos recursos humanos, do modelo gerencial, da correta aplicação do erário, da transparência pública, visando melhoras no desempenho organizacional e na capacidade de respostas às demandas sociais. Entretanto, como falamos, tudo isso engessa se não há um modelo de gestão compatível, ágil, moderno, eficiente e eficaz.
A administração pública avançou do estado infantil patrimonialista para o gerencial e hoje não cabe mais amadorismo, vaidades, indisposição, improvisos e distorções, arrumadinhos e arranjos no organograma. No caso do Cabo assistimos atônitos um modelo ultrapassado de gestão dizendo pra onde a cidade vai, ou não vai. E, claro, que ainda sofre distorções grosseiras. Citando apenas um exemplo, o do ocorrido na área cultural, que voltou a uma condição ultrapassada, envelhecida e atrasada de apêndice organizacional da pasta de Educação por uma decisão meramente casuística. Agrava-se ainda mais por ir também na contramão do que hoje é fato consumado em todas as cidades brasileiras, em que a Cultura se situa correta e estrategicamente na mesma estrutura da pasta de Desenvolvimento Econômico, Lazer, Turismo e da Economia Criativa. Isso é olhar pra frente! Porém, o modelo de gestão de três décadas ainda se dá ao luxo de tal pecado primário administrativo.
Segundo dados da Firjam, o segmento criativo movimenta 2,61% do PIB nacional, sendo, dessa maneira, um vetor econômico e que assim deve ser tratado. Artista precisa de liberdade através do domínio das nuances empreendedoras postas e não da volta da política de pires na mão. Esse tempo já passou, as leis de incentivo, quer publicas e/ou privadas, já puxam naturalmente a arte e os artistas para mais próximo das empresas e dos empresários. São coisas também óbvias.
Pelo andar da carruagem, a atual administração, ao menos até agora, passados já seis meses, parece ser desprovida de criatividade, de iniciativas e ousadias, levando-nos a crer que será uma gestão reduzida às demandas, ou seja, de apenas apagar fumaça onde houver sinais evidentes de incêndios. Tomara esteja errado, meu Deus, tomara.
Não temos site de transparência pública. Até o momento, nenhum projeto arrojado de planejamento ou sequer um Plano de Governo mínimo necessário foi apresentado ao povo. Comparando o nosso gestor com os demais da Região Metropolitana do Recife, fica obviamente claro o quanto somos o lanterninha, posto que vemos todos os demais, sem uso da desculpa da pandemia, em ritmo frenético de gestão, colocando suas cidades a andarem céleres e equilibradamente, tocando ações sociais arrojadas, inclusive de socorro às famílias que ora sofrem. Estaria o prefeito economizando dinheiro num momento em que toda a cidade pede socorro? Ao menos, é esse o absurdo que escutamos de alguns interlocutores do governo.
Antes de findarmos, permitam-me dizer que não torço pelo quanto pior, melhor. Sou um filho desta terra que torce para que a cidade se encontre com o verdadeiro desenvolvimento. Vibro para que cada gestão some positivamente, ofertando aos cabenses um ambiente de paz, de convivência social sadia, de arte e artistas descendo e subindo ladeiras com sorriso no rosto, sem moradores de rua, (Recife mostrou bem como se faz). Sou daqueles que pensam que as riquezas de uma cidade são para todos, mas para tudo isso ocorrer é preciso disposição, vontade mesmo de governar, ter compromisso com a nobre missão de gerir uma cidade. Está na hora de o prefeito sentar-se na principal cadeira do Palácio Conde da Boa Vista (sede do Governo Municipal) com um planejamento bem elaborado e arrojado e, a partir daí, motivar e preparar a equipe para colocar o Cabo nos trilhos do desenvolvimento e enfrentar com muitas possibilidades de sucesso os desafios postos.
Aos que pensam a cidade não ter dono, aos que amam o Cabo de Santo Agostinho, aos que sonham com liberdade, aos que estão cansados da mesmice, uni-vos!
*Jairo Lima é poeta, artista plástico e pós-graduado em Gestão Pública. Membro da Academia Cabense de Letras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.