Fora os fantasmas que nos atormentam
Mirtes Cordeiro*
Em 05.07.2021
Mas a vida não segue em linha reta… é feita de altos e baixos, com caminhos longos e vielas estreitas, por onde devemos caminhar.
Atravessamos a vida convivendo com vários fantasmas. Uns que nos agradam, nos impulsionam a construir grandes projetos, enquanto outros nos atormentam, nos põem dúvidas, medos e nos levam a determinadas doenças e à falência nos negócios.
Desde cedo, enquanto crianças, as nossas mães nos apresentam a fantasminhas camaradas, numa atitude de nos querer ajudar a vencer os nossos medos. Desde o nascimento estamos submetidos a várias situações próprias do ser humano no caminhar da sua vida em busca da sobrevivência.
Ninguém se lembra do seu nascimento, mas eu tenho essa grande curiosidade quase inexplicável sobre como vivenciamos o ato de nascer. Naturalmente, fazendo o grande esforço para sair da barriga da mãe, a criança deve ser acometida de um intenso processo de estresse e insegurança, geradas pelo medo. E assim continuamos a vida, pautada pelos medos de toda ordem.
O medo leva as pessoas a estarem em constante estado de alerta, seja por um perigo real, situação estressante ou por imaginar que algo ruim pode ocorrer, assim fala a psicologia viva. Uma pessoa com medo está sempre submetida a diversos transtornos mentais e orgânicos.
Com medo, geralmente temos logo uma reação intestinal. Alguns ficam patéticos, sem ação, são tomados de atitudes negacionistas diante da vida e pensam que é preciso ter sorte para que o medo se afaste e a vida continue em linha reta, como acontece no nosso imaginário.
Mas a vida não segue em linha reta… é feita de altos e baixos, com caminhos longos e vielas estreitas, por onde devemos caminhar.
No Brasil, neste momento, somos tomados por vários medos; somos aterrorizados diariamente pelo presidente da República, a cada dia com uma com uma ameaça diferente, que assim como na ditadura, flerta com o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, deseja instituir o AI-5 (o mais duro Ato Institucional da Ditadura Civil-Militar 1964/85) e convocar o Exército para apoiá-lo num golpe de Estado.
A impressão que temos é de que dois grandes fantasmas nos encurralaram num momento em que as crises ditas “normais” já devassavam a vida de muitas famílias, como o desemprego, a violência urbana, o descumprimento das leis, o aumento da pobreza e o aprofundamento da desigualdade.
Surgem, do nada, a pandemia e o governo Bolsonaro.
Digo do nada, porque apenas os cientistas sabiam da possibilidade de surgir uma pandemia dessa dimensão da COVID-19, ceifando vidas de forma aleatória, sem que o mundo soubesse lidar com a forma como o vírus ataca os seres humanos. Até um ano antes da eleição de 2018, não se acreditava que um deputado do baixo clero, após ter passado 28 anos no Parlamento sem manifestar interesse sobre os problemas do País, chegasse ao cargo maior, de presidente da República.
Do nada, conseguiu um partido que lhe deu abrigo e embarcou no oportunismo que tirou a esquerda do caminho da sucessão. E logo os refugiados da ditadura surgiram em fileiras para serem o desaguadouro de suas ideias anacrônicas, irmanadas com o fascismo.
De repente, o parlamentar homofóbico, saudoso da ditadura, defensor da tortura, da institucionalização das milícias e de uma política de armamento da sociedade para combater os bandidos, pavimentou o caminho da eleição.
Sobre a nossa cabeça caíram toda sorte de problemas gerados pelo vírus, como o desconhecimento sobre a doença e a forma irresponsável que o governo federal definiu suas estratégias para o enfrentamento da doença. Solapou o Ministério da Saúde e instituiu um grupo paralelo para o comando das ações.
Somos obrigados a conviver com este grande fantasma que nos impõe enterrar os mortos que chegam a 516 mil, enquanto o governo desfila a cavalo, de moto, de jet-ski, inaugura pinguela, incentiva a grilagem de terra, manipula as tribos indígenas e estimula o garimpo irregular em suas terras.
Além disso, tripudia sobre a população brasileira, desrespeitando as famílias, retirando as máscaras do rosto das crianças, fazendo humor com a situação de dificuldade dos que adoecem de Covid, imitando a respiração dos doentes, exibindo atitudes preconceituosas contra os gays, chamando os que adoecem ou têm medo de adoecer de maricas.
Nunca visitou um hospital, nunca presenciou um tratamento de um paciente terminal.
Até quando vamos conviver com estes dois fantasmas, que enquanto aliados, Bolsonaro e Coronavírus são capazes de desmantelar as nossas conquistas, dilacerar a vida das pessoas e tramar contra a democracia?
Com a CPI da Covid instalada, logo surgiram uma sequência de escândalos com base na corrupção. Após trilhar o caminho das rachadinhas, elementos do governo saltaram para o desaguadouro da propina.
Foi assim que começamos a entender os porquês sobre a atitude negacionista ante a aquisição de vacinas. Como declarou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, em entrevista à Revista Isto É: “Não há palavra para descrever o governo Bolsonaro. Chamá-lo de perverso, cruel, omisso, manipulador e despreparado seria pouco. Em um determinado momento, alguém vai ter de responder por todas essas mortes. Por enquanto, a preocupação é salvar vidas e enterrar os mortos. Depois que acaba a guerra é que a gente apura quem é o responsável.”
Que a CPI desvende o rumo do dinheiro usado para os tratamentos ineficazes e as posturas criminosas que ceifaram tantas vidas.
Que a população nas ruas, em manifestações pacíficas, exija o afastamento e a punição dos culpados, a manutenção da vida e o fortalecimento da democracia.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: bbc.com