Países do G20 enfrentam três testes cruciais de solidariedade

Por

António Guterres*

Em 09.07.2021

Desde o início da pandemia da covid-19 que muito temos ouvido falar sobre solidariedade mundial. Infelizmente, as palavras por si só não vão acabar com a pandemia ou conter o impacto da crise climática. Agora é o momento de mostrar o que a solidariedade significa na prática.

Os ministros das Finanças do G-20 estão reunidos em Veneza e enfrentam três testes de solidariedade cruciais: sobre as vacinas, sobre como estender uma tábua de salvação econômica ao mundo em desenvolvimento e sobre o clima.

Em primeiro lugar, as vacinas. A desigualdade na vacinação ameaça-nos a todos. Ao circular entre pessoas não vacinadas, o vírus continua a sofrer mutações para variantes que podem ser mais transmissíveis e/ou mais mortais. Estamos a assistir a uma corrida entre vacinas e variantes. Se as variantes vencerem, a pandemia pode matar milhões de pessoas a mais e atrasar a recuperação mundial durante anos.

Apesar de 70% dos civis em alguns países desenvolvidos estarem vacinadas, esse número é inferior a 1% nos países de baixo rendimento. Solidariedade significa garantir o acesso de todos, rapidamente, a vacinas.

Aplaudo as medidas já tomadas pelo G-20, incluindo a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida e o Quadro Comum para o Tratamento da Dívida, mas não são suficientes.

As doações de doses e de fundos são bem-vindas, mas temos de ser realistas. Não precisamos de mil milhões, mas de, pelo menos, onze mil milhões de doses para vacinar 70% do mundo e acabar com esta pandemia. Doações e boas intenções não serão suficientes. Será necessário o maior esforço mundial de saúde pública da história.

O G-20, apoiado pelos principais países produtores de vacinas e pelas instituições financeiras internacionais, deve implementar um plano global de vacinação que chegue a todos, em todos os lugares, mais cedo ou mais tarde.

O segundo teste de solidariedade é estender uma tábua de salvação económica aos países à beira de incumprimento da dívida.

Os países ricos investiram o equivalente a 28% do seu PIB para enfrentar a crise da Covid -19. Em países de médio rendimento, esse número cai para 6,5% e nos países menos desenvolvidos, para menos de 2%.

Muitos países em desenvolvimento enfrentam agora custos paralisantes do serviço da dívida, numa altura em que os orçamentos nacionais estão no limite e a capacidade de subir impostos é reduzida. A pandemia deverá aumentar o número de pessoas extremamente pobres em cerca de 120 milhões em todo o mundo, sendo que mais de três quartos desses “novos pobres” vivem em países de médio rendimento.

Estes países precisam de uma mão amiga para evitar a catástrofe financeira e poderem investir numa recuperação robusta.

O Fundo Monetário Internacional interveio para alocar 650 mil milhões em Direitos Especiais de Saque, a melhor maneira de aumentar os fundos disponíveis para economias com escassez de dinheiro. Os países mais ricos devem canalizar as partes não utilizadas desses fundos para os países de baixo e médio rendimento. Esta é uma medida relevante de solidariedade.

Aplaudo as medidas já tomadas pelo G-20, incluindo a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida e o Quadro Comum para o Tratamento da Dívida, mas não são suficientes. O alívio da dívida deve ser estendido a todos os países de médio rendimento que dele necessitem e os credores privados também devem ser incluídos na equação.

O terceiro teste de solidariedade diz respeito às alterações climáticas. A maioria das principais economias comprometeu-se a reduzir as suas emissões líquidas para zero até meados do século, em linha com as metas do Acordo de Paris. Para que a COP26 em Glasgow seja um ponto de viragem, precisamos da mesma promessa de todos os países do G-20 e do mundo em desenvolvimento.

A solidariedade começa com a entrega destes 100 mil milhões de dólares

No entanto, os países em desenvolvimento precisam de ter a certeza de que a sua ambição será apoiada com meios financeiros e técnicos, incluindo os 100 mil milhões de dólares anuais que lhes foram prometidos pelos países desenvolvidos, há mais de uma década, para o financiamento climático. Isto é totalmente razoável. Das Caraíbas ao Pacífico, as economias em desenvolvimento pagaram uma fatura muito elevada por um século de emissões de gases de efeito estufa.

A solidariedade começa com a entrega destes 100 mil milhões de dólares. Uma verba que deveria ser ampliada para que 50 por cento de todo o financiamento climático seja direcionado para a adaptação, incluindo para a construção de alojamentos e estradas resilientes, e sistemas de alerta precoce eficientes que resistam a tempestades, secas e outros eventos climáticos extremos.

Todos os países sofreram durante a pandemia, mas as abordagens nacionalistas aos bens públicos mundiais, como vacinas, sustentabilidade e ação climática, são um caminho para a ruína. Em vez disso, o G-20 pode colocar-nos no caminho da recuperação.

Os próximos seis meses irão mostrar se a solidariedade a nível mundial passa das palavras às ações. Ao cumprir estes três testes cruciais com vontade política e liderança baseada em princípios, os líderes do G-20 podem acabar com a pandemia, fortalecer as bases da economia global e prevenir a catástrofe climática.

*António Guterres, secretário-geral da ONU. 

Artigo originalmente publicado no jornal Tunisie Numérique

Foto destaque: ONU/Evan Schneider – Líderes das maiores economias do mundo em encontro do G-20 em 2020