Mobilização Permanente: Indígenas seguem em luta na capital federal e nos territórios

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Redação

Em 28.08.2021

Mobilizados em Brasília desde o último domingo (22), líderes indígenas de 170 etnias vão permanecer na Capital Federal até o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Marco Temporal, que vai decidir sobre a demarcação das terras indígenas. A decisão foi tomada em plenária pelos cerca de seis mil indígenas presentes no acampamento “Luta Pela Vida”. A sessão foi iniciada na quinta-feira 26, mas acabou sendo suspensa por falta de tempo, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin. O julgamento deverá ser retomado na quarta-feira, dia 1º de setembro. Sem previsão de término, os povos indígenas seguem mobilizados para acompanhar o desfecho das votações.

“Lutaremos até o fim para manter o nosso direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos e protegemos”, ressaltam os líderes indígenas em Carta divulgada hoje (sábado 28):

DOCUMENTO FINAL DO ACAMPAMENTO LUTA PELA VIDA

PRIMAVERA INDÍGENA: mobilização permanente pela vida e democracia

Em memória dos nossos ancestrais, que entregaram as suas vidas para existirmos. Dos encantados que nos trouxeram até aqui para dar continuidade às suas lutas em defesa dos nossos corpos, terras e territórios, a nossa identidade e culturas diferenciadas, dizemos à sociedade brasileira e internacional que estamos em mobilização permanente em defesa da VIDA e da DEMOCRACIA.

A nossa luta não é apenas para preservar a vida dos nossos povos mas da humanidade inteira, hoje gravemente ameaçada pela política de extermínio e devastação da Mãe Natureza promovida pelas elites econômicas – que herdaram a ganância do poder colonial, mercantilista e feudal expansionista – e de governantes como o genocida Jair Bolsonaro.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deu início ao acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no dia 22 de agosto e reforça nesta carta que seguiremos mobilizados até o dia 2 de setembro de 2021 para lutarmos por nossos direitos. Hoje, essa é a maior mobilização na história dos povos originários, na Capital Federal, e reforça nosso grito: Nossa história não começa, em 1988!

Mesmo colocando nossas vidas em risco, no contexto ainda gravemente perigoso da Covid-19, estamos aqui para dizer aos invasores dos nossos territórios que não passarão, mesmo diante dos intensos ataques aos nossos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988.

Ocupamos as redes, as ruas, as aldeias e Brasília para lutarmos pela democracia, contra a agenda racista e anti-indígena que está em curso no Governo Federal e no Congresso Nacional e para acompanhar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que vai definir o futuro dos nossos povos. 

Durante o mês de junho de 2021, realizamos o Levante pela Terra, dando início às nossas primeiras atividades presenciais, em Brasília, para enfrentarmos o agravamento das violências contra as vidas indígenas. A partir de então, começamos um novo ciclo de jornada de lutas, que desde março de 2020, aconteceram de forma virtual e dentro dos nossos territórios, devido à pandemia. 

Por enfrentarmos muitos vírus, incluindo a política genocida de Bolsonaro, começamos a nossa ‘Primavera Indígena’ que pretende ocupar Brasília de forma constante, em 2021, além de seguirmos nas redes sociais e nos territórios mobilizados. 

Afirmamos que de 7 a 11 de setembro às mulheres indígenas estarão na linha de frente para enterrar de vez a tese do Marco Temporal, durante a 2ª marcha das mulheres indígenas: as originárias reflorestando mentes para a cura da Terra.

No dia 26, o STF iniciou o julgamento que vai definir as demarcações de Terras Indígenas (TIs). Sem previsão de término, os povos indígenas seguem mobilizados para acompanhar o desfecho das votações dos ministros e ministras do Supremo.

Lutaremos até o fim para manter o nosso direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos e protegemos. Fazendo parte deste país, mantendo a nossa condição de povos culturalmente diferenciados, mesmo que autoridades públicas e corporações privadas nos considerem empecilhos ao desenvolvimento. Desenvolvimento esse, que desde os primórdios da invasão europeia é devastador, etnocida, genocida e ecocida e que nos tempos atuais encontrou, e não por acaso, nesse desgoverno, um protótipo para perpetuar o seu projeto de dominação.

Somos filhos da Terra! E a Terra não é Nossa, somos nós que fazemos parte dela. É o útero que nos gera e o colo que nos acolhe. Por isso damos a Vida por Ela. Na nossa tradição nunca houve essa história de regulamentar quem é ou não é dono da terra, pois a nossa relação com ela nunca foi de propriedade . A nossa posse é coletiva tal qual é o usufruto. É esse o fundamento basilar da nossa existência, que a ignorância da cultura da dita civilização ocidental não entende, mesmo após 521 anos.

Essa contradição está na base das disputas que os herdeiros ou descendentes dos invasores insistem em manter conosco. Disputam incansavelmente os nossos territórios sem trégua, tanto durante as distintas fases da formação e configuração do Estado Nacional Brasileiro quanto nos dias de hoje! 

As elites neocoloniais, também promotoras e beneficiárias da ditadura militar, tomaram conta da maior parte do atual Congresso Nacional e permanecem defendendo a continuidade de seu controle hegemônico, de domínio de corpos, terras e territórios e não apenas dos povos indígenas. Pretendem nos fazer crer que vão desenvolver o Brasil, quando, na verdade, estão promovendo um Projeto de Morte da Mãe Natureza – das florestas, dos rios, da biodiversidade – e de povos e culturas detentores de sabedorias milenarmente acumuladas, na contramão de pesquisas científicas. Segundo os dados mais recentes do Painel de Mudanças Climáticas da ONU, há um incontestável aumento da temperatura do planeta, de enchentes, dentre outros desastres ambientais, provocados obviamente por esse modelo de desenvolvimento.

Por conta de tudo isso é que dizemos NÃO a toda e qualquer iniciativa que venha  ignorar a nossa histórica e estratégica proteção da vida, da humanidade e do planeta. Também dizemos NÃO a todos aqueles que se propõe violar os nossos direitos por meio de centenas de medidas administrativas, jurídicas, legislativas e ações judiciais.

A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas. Por isso continuaremos resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo.

Sob a égide do texto Constitucional, confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar  o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores. Por meio da tese do “marco temporal”, os atuais colonizadores querem ignorar que já estávamos aqui quando seus ascendentes dizimaram muitos dos nossos ancestrais, erguendo sobre os seus cadáveres o atual Estado nacional.

Amparados por nossa ancestralidade e pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam  pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal! E conclamamos a sociedade nacional e internacional, em especial às distintas organizações e movimentos sociais que estiveram sempre conosco, e sobretudo às nossas bases, povos e organizações indígenas para que continuemos vigilantes e mobilizados na defesa dos nossos direitos.

Brasília – DF, 28 de agosto de 2021.

Acampamento Luta pela Vida

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Mobilização Nacional Indígena – MNI

 

Foto: Cícero Bezerra