Arte, resistência e rebeldia

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 25.09.2021

Defino a arte como fuga em direção à liberdade absoluta que se conquista no âmbito do pensamento e da inspiração. Ela retrata a liberdade sob uma perspectiva transgressiva, emocionante e reflexiva. Por estas e outras características, a arte jamais consegue ser aprisionada, refutada ou extinta. A arte reflete, ainda, traços da ideologia e visão de mundo de cada um, ou seja, a arte, embora não esteja presa às ideologias, não escapa aos contextos em que está rodeada, inserida e vivida.

Movimentos artísticos que entraram para a história da humanidade como o Renascimento, o Realismo (na literatura), o Modernismo,o Movimento hippie, entre outros, marcaram não apenas por sua produção, mas por uma posição crítica sobre a realidade, ressignificando conceitos, combatendo filosofias e crenças, criando novas possibilidades de se ver o mundo e as pessoas.

Dito isto, a arte é resistência e rebeldia, não sendo companheira das tentativas de censura impostas por quaisquer ditaduras, sejam estas de qual campo ideológico forem. Assim, por exemplo, durante a Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964/1985) a rebeldia propagada pelos artistas formou uma das frentes de enfrentamento aos militares golpistas. Quanto mais a censura atuava, mais criativa se tornavam as produções, especialmente na música, pois a loucura dos que estavam no poder, por vezes cegava os censores. Evidentemente que nem todos os artistas se prestavam a criticar a ditadura. Havia os que, movidos por interesses alheios a própria arte, como muitos ainda hoje, vão trabalhar no sentido de ignorar a realidade como se a arte pudesse ser outra coisa senão transgredir aquilo que está posto como consenso. Não por acaso, muitos desses artistas se rendem aos modismos e, posteriormente, caem no esquecimento.

É certo que talento não depende da ideologia política ou religiosa professada por ninguém. No entanto, a forma como este talento pode ser expresso, em qualquer campo da arte, diz muito de quem produz, especialmente de como o artista se situa frente à realidade que o cerca.

A arte é a inquietação do espírito criativo manifestada através do fazer que, expresso no tempo e no espaço, busca superá-los, desprender-se para depois recriá-los. Assim, é muito estranho que nos tempos atuais ainda existam pessoas que queiram aprisionar a arte em ideologias e caprichos políticos pessoais. Cada vez mais ouvimos queixas de artistas sobre tentativas de condicionar apoios financeiros e estruturais à vinculação dos artistas aos seus interesses, frequentemente distantes da população. Diante disto, resta a nós, artistas, a rebeldia, a resistência, a transgressão de padrões e normas. Sem isto, a arte perde sua essência e corremos o risco de sermos meros seres inexpressivos e coniventes com a triste realidade.

*Enildo Luiz Gouveia é professor, poeta, cantor, compositor e membro da Academia Cabense de Letras (ACL).

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

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