Não me dê (mais) motivos pra ir embora

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 17.09.2020

O brasileiro de modo geral nutre historicamente uma fascinação pelo estrangeiro. Não por qualquer estrangeiro, mas exatamente o europeu e estadunidense. Na menor ocasião que tem, saca aquela comparação recheada de elogios aos países estrangeiros (do seleto grupo citado). Lembro-me de um dos causos de Ariano Suassuna sobre a ideia de que o mundo, para algumas pessoas, está dividido entre os que conhecem e os que não conhecem a Disney. Poucas coisas fazem o brasileiro sentir orgulho de seu país. Isto não inclui, evidentemente, o patriotismo cafona e neofascista do endeusamento das cores da nossa bandeira que afloram especialmente em períodos de copa do mundo de futebol.

Apenas em 2018, pelos aeroportos do país foram mais de 22 mil brasileiros que deixaram o Brasil definitivamente. Embora este seja um número crescente (g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/04/03/cresce-numero-de-brasileiros-que-decidem-viver-no-exterior-paises-oferecem-oportunidades-de-emprego.ghtml) nota-se que os maiores saltos de saída se deram a partir de 2015, motivados por questões econômicas e sociais (violência, insegurança, etc). Por estes mesmos motivos, na década entre 2002 /2012 verificou-se a chegada ao país de inúmeros estrangeiros, muitos dos quais chamados “não bem vindos” pelo inconsciente coletivo culturalmente colonizado. Sim, estrangeiro no Brasil é bem tratado desde que não seja africano, latino-americano, indiano.

Atualmente, como em outros tempos, não são apenas as questões econômicas e sociais que têm afugentado pessoas do Brasil. Temos agora, além destas causas, o negacionismo científico, a insegurança jurídica e democrática, os fundamentalismos (religiosos, políticos/ideológicos) que não toleram o diferente. Estas são migrações forçadas em virtude do risco à própria vida. Os que decidem permanecer enfrentam campanhas oficiais de difamação, ameaças e intimidações virtuais e reais.

Resta-nos contrariar o saudoso Tim Maia, que cantava: “Me dê motivos pra ir embora” e sonhar com um país que aprenda a conviver com o diferente e nunca mais ofereça risco para os seus concidadãos.

*Enildo Luiz Gouveia é professor e membro da Academia Cabense de Letras.

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