Pobreza extrema atinge 1 em cada 6 crianças no mundo

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 21.10.2020

Você já tomou o café da manhã, hoje? Que bom. Pena que eu vá tratar de tema indigesto neste artigo, mas é extremamente necessário. Estudo realizado antes da pandemia de Covid-19 mostra que 356 milhões de crianças tentam sobreviver com menos de US$ 1,90 por dia – a medida internacional de extrema pobreza. Dois terços delas vivem na África Subsaariana, enquanto um quinto vive no sul da Ásia. E esse número deve subir significativamente, de acordo com uma nova análise do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Significa que uma em cada seis crianças vive na extrema pobreza, no mundo. Se ela consegue tomar um café da manhã consumindo os ingredientes necessários e na quantidade adequada, certamente não lhe restará dinheiro para almoçar e jantar. Um lanchinho, nem pensar.

“Esses números por si só deveriam chocar qualquer pessoa”, disse o diretor de programas do Unicef, Sanjay Wijesekera, para em seguida ressaltar: “A escala e a profundidade das dificuldades financeiras causadas pela pandemia só vão piorar as coisas.”

Na opinião de Sanjay Wijesekera os governos precisam urgentemente de um plano de recuperação para evitar que um número incontável de crianças e suas famílias atinjam níveis de pobreza nunca vistos por muitos e muitos anos.

Embora as crianças representem apenas um terço da população global, cerca de metade das pessoas em situação de extrema pobreza são crianças. Elas têm duas vezes mais probabilidade de ser extremamente pobres do que os adultos, 17,5% comparado com 7,9%. 

As crianças mais novas estão em pior situação, com quase 20% dos meninos e meninas com menos de cinco anos no mundo em desenvolvimento vivendo em famílias extremamente pobres.

Em comunicado, a diretora global da Pobreza e Equidade para o Banco Mundial, Carolina Sánchez-Páramo, contou que “a pobreza extrema priva centenas de milhões de crianças da oportunidade de atingir seu potencial, em termos de desenvolvimento físico e cognitivo, e ameaça sua capacidade de conseguir bons empregos na idade adulta.”

O estudo mostra que entre 2013 e 2017 a pobreza extrema entre as crianças caiu em quase todas as regiões do mundo, mas menos do que entre os adultos. A exceção é a África Subsaariana, onde aconteceu um aumento de 64 milhões. O problema é mais prevalente em países frágeis e afetados por conflitos, onde mais de 40% dos menores de idade vivem em famílias extremamente pobres, em comparação com quase 15% em outros países.  O estudo também mostra que mais de 70% das crianças em extrema pobreza vivem em uma família onde o chefe da casa trabalha na agricultura.

Segundo Sánchez-Páramo, depois da enorme perturbação econômica causada pela pandemia, “é mais crucial do que nunca que os governos apoiem as famílias pobres com crianças agora e reconstruam seu capital humano.”

A crise da Covid-19 deve continuar tendo um impacto desproporcional em crianças, mulheres e meninas. Segundo o Unicef e o Banco Mundial, as medidas de proteção social têm um papel crucial a desempenhar tanto na resposta imediata quanto na recuperação de longo prazo.

Mulheres e crianças estão sofrendo mais com efeitos econômicos da pandemia, PMA/Isheeta Sumra

A maioria dos países respondeu à crise expandindo os programas de proteção social, especialmente transferências de dinheiro. Este tipo de transação tem mostrado resultados na resolução da pobreza monetária e multidimensional e melhoram resultados de saúde, nutrição, cognitivos e não cognitivos.

Apesar desses esforços, as agências dizem que muitas das respostas são de curto prazo e não estão ajustadas à dimensão e natureza de longo prazo da recuperação.

Para resolver esse problema, a pesquisa sugere inovações para a sustentabilidade financeira, fortalecimento de estruturas jurídicas e institucionais, proteção do capital humano, expansão dos benefícios para crianças e famílias no longo prazo.

O estudo sugere ainda que haja investimentos em políticas favoráveis ​​à família, como licença parental remunerada e creches de qualidade para todos.

Na Região Metropolitana do Recife, em Pernambuco e em qualquer lugar do Brasil, você não precisa andar muito para se encontrar com crianças famintas. Elas estão nos semáforos, nas praças publicas, nas proximidades de centros de alimentação e de compras, nas periferias. A fome é visível e clama por uma solução que a nossa geração precisa encontrar. A fome não espera; a fome mata.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.

Foto destaque: Unicef/Niklas Halle’n – Crianças brincam em Pradesh, na Índia