Políticas públicas (parte 2)

Por

Fernando Silva*

Em 28.11.2020

O artigo anterior foi dedicado à caracterização da constitucionalização das políticas públicas (PPs), que devem ser formuladas e deliberadas democraticamente, com a participação popular, de forma descentralizada e de corresponsabilidades dos três entes da federação. Afirma a centralidade do Estado quando da efetivação da PPs, que podem acontecer em regime de colaboração com as organizações não estatais. E é no ciclo orçamentário Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a LOA (Lei Orçamentária Anual) que se materializam a efetivação das políticas sociais, parte integrante das PPs.

Este artigo apresentará algumas definições contidas em três leis federais e buscará agregar aspectos indicados no anterior. Ressalta-se que existem várias leis, porém, a pretensão não é esgotar as múltiplas possibilidades, mas sim afirmar entendimentos e posicionamentos que contribuam para ir além do estabelecido juridicamente. Portanto, a opção metodológica para avançar nas contribuições estão presentes nos conteúdos de três estatutos: da Criança e do Adolescente (Lei Federal N.º 8.069/1990); da Igualdade Racial (Lei Federal N.º 12.288/2010) e o da Cidade (Lei Federal N.º 10.257/2001). Destaca-se que as três referências escolhidas estão em sintonia com a Constituição Federal (CF/1988).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no Art. 86, determina que a “política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. E elenca as linhas da política de atendimento, entre as quais: sociais básicas; serviços, programas, projetos, benefícios de assistência social; serviços de prevenção e atendimento às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.

Estabelece que a responsabilidade pela formulação, deliberação e o controle das ações necessita ser materializado em todos os níveis e com a indispensável “participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais.”. A participação é para dar vida aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, o nacional, os estaduais, o do Distrito Federal e os municipais (Art. 88/II do Estatuto). Percebe-se a força das palavras. Os conselhos são espaços de participação das organizações representativas para em conjunto com representantes do respectivo poder executivo formularem, deliberarem e realizarem o controle de todas as ações, que devem incluir, impreterivelmente, os orçamentos públicos.

O Estatuto da Igualdade Racial é parte do esforço político para enfrentar o racismo estrutural presente na sociedade brasileira. Nesta direção, importa trazer a afirmação de que é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais (Art. 2º).

O conteúdo do artigo transcrito é rico por afirmar a responsabilidade do Estado e da Sociedade, o reconhecimento de todas as pessoas brasileiras e o direito à participação na comunidade, nas dimensões políticas, econômicas, empresarias, educacionais, esportivas com a defesa da dignidade e valores religiosos e culturais. Para a garantia dos direitos é necessário ter presente a instituição de um Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), sendo essencial a criação de conselhos de promoção da igualdade étnica, que devem ser permanentes e com composição paritária “de representação de órgãos e entidades e de organizações da sociedade civil representativa da população negra” (Art. 50). E fixa que o repasse de recursos federais será priorizado aos estados, Distrito Federal e municípios que criarem o referido conselho.

E o Estatuto da Cidade, que é regulamentador dos Arts. 182 e 183 da CF/1988, traz a afirmação da democracia participativa quanto ao bem coletivo, da segurança e o bem-estar das pessoas e ao equilíbrio ambiental. Particularizando nos instrumentos para o âmbito municipal, assinala que é primordial a elaboração do plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental; reafirmar o PPA, LDO e LOA e a gestão orçamentária participativa (Art. 4º).

Quanto à gestão da cidade se faz necessário que seja democrática e tenha os conselhos colegiados de política urbana, a realização de debates, audiências e consultas públicas e a realização de conferências sobre os diversos temas de interesse dos âmbitos nacional, estadual, Distrito Federal e municipal, conforme conteúdo do Art. 43.

Percebe-se que os três estatutos trazem para o campo da disputa política a afirmação da democracia e determinam a criação de conselhos de direitos (Crianças e Adolescentes, Promoção da Igualdade Racial e Cidade), que devem ter a participação popular e legítima da representação de organizações da sociedade civil para, em conjunto com demais representações, atuarem na efetivação de políticas sociais. Os conselhos após a criação necessitam ter atuação permanente, que possibilite a conjugação, em geral, de três verbos: formular, deliberar e controlar políticas sociais, com a incidência no ciclo orçamentário.

É necessário reconhecer que o Estado Democrático de Direito não é somente ter a realização de eleições regulares e periódicas, essenciais para a democracia. Mas, é imprescindível que ocorra a participação das organizações representativas nos distintos conselhos. Que as decisões dos colegiados sejam fundamentadas com base em diagnósticos socioeconômicos embasados nas normas jurídicas e nos orçamentos dos governos federal, estadual, Distrito Federal e municipal, e contribuir, efetivamente, para a plena realização dos direitos humanos de todas as pessoas. A inversão das prioridades torna-se primordial à erradicação da pobreza.

É fundamental insistir. A disputa para a realização das políticas sociais deve acontecer nos processos orçamentários e não existe a concretização dos direitos (alimentação, lazer, cultura, assistência social, habitação, segurança pública, educação, saúde, cidade) sem orçamento público compatível com os desafios que estão presentes na sociedade brasileira. A comparação é simples: as pessoas precisam de trabalho e remuneração dignas para comprar alimentos, medicação, ter moradia. Portanto, não há políticas sociais sem orçamentos.

*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. Escreve quinzenalmente, aos sábados.jfnando.silva@gmail.com

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Foto: sabedoriapolitica.com.br