Basta de violência contra a mulher!
Mirtes Cordeiro*
Em 27.09.2021
A sociedade está gravemente doente, pelo vírus e pela violência…
Descontrolada! O grito proferido na CPI da Covid-19, no Senado da República, ecoou nos ouvidos da sociedade brasileira.
A mulher atacada, agredida pelo adjetivo sempre usado para desmoralizar as mulheres, era a senadora pelo estado de Mato Grosso do Sul, Simone Tebet, que durante a semana que passou insistia, com muita competência, em apresentar documentos com provas inequívocas que indicam corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.
A agressão veio de uma autoridade do alto escalão do governo federal, quando viu que eram vãs as suas argumentações diante de uma mulher detentora de sólido saber jurídico fazendo jus à suas responsabilidades pelo cargo que ocupa.
A agressão atingiu todas as mulheres no país. O agressor, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário.
De todas as desigualdades, a mais assombrosa, a desigualdade entre homens e mulheres.
Na mesma semana, em Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife (RMR), noticia a morte de uma mulher com um tiro na cabeça, ao ser assaltada na loja em que trabalhava como caixa, apesar de ter entregue o dinheiro, o celular e o relógio. Em outro caso, uma jovem foi libertada após passar seis dias sendo mantida em cárcere privado, sob ameaças, pelo namorado, na zona sul do Rio de Janeiro.
Informações da Operação Maria da Penha, promovida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal, entre 20 de agosto e 20 de setembro, indicam que “mais de 5,1 mil boletins de ocorrências relacionados à violência contra a mulher foram registrados no período de um mês em Santa Catarina. É como se 170 mulheres sofressem agressões por dia e denunciassem no Estado”.
Seguindo o fluxo da violência, num reality show produzido por um canal de TV que se identifica como religioso, um cantor foi expulso por estuprar uma mulher, considerado estupro de vulnerável. (G1)
Todos esses fatos descritos estão relacionados entre si e têm uma razão única, embora a motivação seja diferenciada: trata-se de violência contra mulher, seja ela política, urbana, doméstica, sexual ou outra.
O que acontece são ações de supremacia, de dominação, de imposição dos homens sobre as mulheres.
O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), de março de 2021, considera a violência contra a mulher como um problema endêmico grave e alerta para a ampliação desta violência com a pandemia da Covid-19.
A sociedade está gravemente doente, pelo vírus e pela violência…
No Brasil, entre os 2.383 municípios pesquisados durante a pandemia, o crescimento da violência foi de 20%. Entre as mulheres ouvidas pelo Jus barômetro em São Paulo, no mês de agosto de 2021, “88% percebem que esse tipo de violência vem aumentando no estado de São Paulo; 54% indicam a violência doméstica contra a mulher como a principal preocupação das paulistas, hoje; 66% acreditam que a casa é o principal local das agressões; e 63% apontam como autor do crime o cônjuge, companheiro ou o namorado da vítima.”
Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre a vitimização das mulheres no Brasil em 2019 apontou que em 76,4% dos casos a agressão foi cometida por conhecidos – pessoas do círculo social e afetivo mais próximo da vítima. Os resultados do Jus Barômetro confirmam esse cenário para o Estado de São Paulo em 2021. (Relatório-2021)
A pesquisa catalogou 11 situações de agressão contra a mulher, que vão do empurrão, xingamento, agressões físicas, até lesões corporais por facas e armas de fogo. E das 11 situações de violência contra a mulher citadas no relatório, 63% das entrevistadas indicam como autor da agressão o cônjuge, companheiro ou namorado da mulher vitimada. “Esse número sobe para 70% na faixa de 25 e 44 anos; 69% entre as negras e 68% entre as que ganham até dois salários mínimos”. (Jus Barômetro 2021)
O medo é apontado por 73% como a principal causa do silêncio, sendo que a maioria se sente desprotegida, e a violência verbal e psicológica é a mais familiar, com as quais a maioria das mulheres convive quase diariamente.
Os dados se assemelham quando são discriminados conforme o nível de escolaridade. Mulheres são agredidas independente de serem analfabetas ou terem concluído um curso de doutorado.
Segundo o Instituto Maria da Penha, acontece uma espiral do silêncio na medida em que as vítimas, por medo, vergonha ou constrangimento, calam-se sobre o assunto e, com isso, os agressores não são responsabilizados e a violência se reproduz.
Toda essa violência reflete vários séculos de história de dominação e submissão entre os seres humanos.
Na nossa sociedade ocidental, considerando os registros históricos sobre a colonização do nosso país, homens crescem sendo educados para serem fortes e vencedores, enquanto mulheres, resignadas, seguem orientadas para a submissão, para o cumprimento dos deveres matrimoniais e para a obediência aos homens.
Essas orientações, com raras exceções, ainda seguem assim presentes nas famílias, nas escolas, nas igrejas, nas instituições públicas, embora o mundo tenha avançado na construção do conhecimento, no formato de novas tecnologias e de novas relações entre as pessoas. No Brasil, mudanças significativas com relação às garantias individuais aconteceram com a Constituição Cidadã de 1988, com repercussão nas leis complementares.
Muitos especialistas entendem que as leis atuais atendem de certa forma algumas questões relacionadas com a violência contra a mulher, mas entendem também que “todas as mulheres precisam conhecer os tipos de violência que eventualmente podem vir a enfrentar. É importante que o assunto esteja em alta e que informações sejam compartilhadas, para que a vítima tome conhecimento do que acontece com ela e para que possa ser ajudada. É importante que ela conheça o ciclo da violência e que saiba reconhecer que não existe somente a violência física, mas também outras como a psicológica, sexual, patrimonial e moral e que estas podem ser denunciadas”. (Clarissa de Faro in Consultor Jurídico)
É evidente que as informações devem ser passadas através de processos educacionais desenvolvidos pela família, escola e todos os organismos da sociedade, de forma consciente da necessidade de se pôr fim a essa violência que atravessa gerações e aumenta a cada dia que passa, apesar de as mulheres virem conquistando espaços no mercado de trabalho, na ciência, por sua conta e luta ao longo dos anos.
No entanto, a igualdade de direitos ainda está longínqua e se manifesta nos níveis de violência, como relatam as pesquisas.
Segundo a pesquisadora Estela Willeman, PUC-RIO, “por mais que no último século tenha havido diversas ondas feministas com lutas e conquistas de direitos para as mulheres, a solidificação cultural deste novo paradigma no concreto das relações sociais de sexo apenas acontecerá de maneira lenta, gradual e não homogênea. E ainda há muito pelo que se lutar e normalizar nas relações para que se possa ter, de fato, uma sociedade livre e justa para todas mulheres”.
É preciso reconhecer que a cada dia que passa “mais e mais mulheres têm tido acesso a espaços de diálogo, reflexão e desconstrução de mitos como o amor romântico, a maternidade compulsória, o príncipe encantado salvador e outros modelos de relações limitados que não correspondem à realidade de pessoas que estão fora dos contos de fadas, vivendo vidas reais e muito mais complexas”, reforça Estela Willeman.
No entanto, os espaços ainda são insuficientes e as mulheres reivindicam melhoria nos atendimentos, sobretudo nas áreas da saúde e da justiça. As delegacias das mulheres são as mais procuradas no primeiro momento após as agressões.
A legislação e a prática judicial ainda são muito complacentes com os infratores que praticam crimes contra as mulheres.
É inaceitável que, tendo o Brasil uma população de 52% constituída de mulheres, as mesmas continuem sendo abusadas, assediadas, violentadas e mortas diariamente.
No Brasil, quando a população feminina ultrapassou 103 milhões de mulheres, em 2014, uma em cada cinco mulheres considerava já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”. (Fundação Perseu Abramo)
A situação de desigualdade econômica, social, cultural e política na qual o país está imerso só agrava esta situação, sobretudo na medida em que os recursos necessários às políticas públicas ficam cada vez mais reduzidos.
Basta!
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Senadora Simone Tebet – Internet
Muito bom!! Este artigo baseado em dados de pesquisas só comprova o estado de violência em q vivem as mulheres!! Parabéns!! P
Esse artigo baseado em estatísticas confirma a importância do papel do Estado, na educação, na justiça e nas organizações civis. Hj temos um Estado ausente, deturpador e incentivador da violência em todas suas trágicas facetas. Resistir, denunciar, reagir é urgente. Juntas somos fortes. Lutar, lutar e lutar.
Parabéns pelo teu artigo. Abç