Memória histórica coletiva se sobrepõe a interesse individual, diz juíza

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Revista Consultor Jurídico

Em 20.06.2020

Da esquerda pra direita, os cangaceiros: Barra Nova, Neném, Jurity e Gorgulho – Foto: Divulgação

O interesse coletivo à formação e à informação por meio da base histórica se sobrepõe aos direitos individuais. O entendimento é da juíza Gardênia Carmelo Prado, da 2ª Vara Cível de Aracaju (SE), em decisão proferida no último dia 3.

A magistrada extinguiu, com resolução do mérito, uma ação que buscava condenar a Google e um professor de Sergipe pela publicação de dois vídeos que narram o assassinato dos cangaceiros Jurity e Neném.

Segundo o material, os cangaceiros foram mortos por uma tropa volante comandada pelo sargento Amâncio Ferreira da Luz, conhecido como sargento De Luz. As filhas do militar solicitaram que os vídeos fossem apagados e que os réus pagassem reparação por danos morais.

“O ponto atinente ao direito ao esquecimento, invocado pelas autoras como fundamento da lide e pedidos, quanto às ações laborais do pai envolvendo o cangaço, não pode ser aplicado nesta situação. Nas linhas de narrativa histórica de âmbito nacional ou local com relevância cultural, como foi a do cangaço e de outros movimentos destacados, não pode vigorar e ter seus efeitos ativados esse direito ao esquecimento, mecanismo de extirpação dos registros da história para certas pessoas e em certas situações”, afirma a decisão.

Interesse público
A juíza argumentou que, em casos como o julgado, cabe ao magistrado analisar se existe interesse público atual na divulgação da informação. Caso ele exista, não é possível aplicar o direito ao esquecimento.

“Não há como apartar os fatos históricos dos personagens que os marcaram nesta situação em especial, justo porque a atribuição do fato se voltou para o grupo militar identificado pelo seu comandante — cujo nome e fama são emblemas da história do segmento — e extirpar tal dado da narrativa histórica feriria de morte a própria compreensão da história do cangaço, seu contexto, suas ambiências etc. Assim seria também se outros personagens fossem extirpados ou ocultados dessas narrativas”, diz.

Sendo assim, prossegue a decisão, a publicação dos vídeos não possui nenhum ato ilícito, uma vez que o material apenas publiciza conteúdo histórico, informativo, fruto de extensa pesquisa, sem sequer trazer menção expressa ao pai das autoras.

“Sem desonrar os sentimentos por ambas [as autoras] experimentados e a veracidade com que devem ser considerados, os vídeos que trazem o conteúdo desse sofrimento não são senão mais uma menção histórica que envolve o nome de parente próprio das mesmas, como um registro inevitável da história da qual aquele participou — nesse caso, emprestando o nome ao agrupamento que comandava. E mesmo que, por hipótese, houvesse a imputação expressa e direta dos fatos ali narrados ao pai das autoras, a imputação em si, numa fiel e desapaixonada narrativa histórica, não seria capaz de ensejar uma indenização, justo por se tratar de conteúdo histórico elaborado e apresentado, em tese, sem intuito algum de ofender, mas tão somente de informar e formar”, conclui.